Artigo

Acesso aberto Revisado por pares

1560

Visualizações

 


Casos Clínicos Discutidos

Tumor vasoproliferativo da retina secundário a descolamento de retina regmatogênico crônico tratado com sucesso com crioterapia e buckle escleral: relato de caso

Vasoproliferative retinal tumor secundary to chronic rhegmatogenous retinal detachment succesfully treated with cryotherapy and scleral buckle: a case report

Renato Bredariol Pereira1; Moisés Moura de Lucena2; Leonardo Luis Cassoni2; Rodrigo Jorge2

DOI: 10.17545/eOftalmo/2023.0020

RESUMO

O tumor vasoproliferativo da retina é uma doença adquirida caracterizada por lesões vasculares, usualmente localizadas em região pré-equatorial e inferotemporal, que podem causar exsudatos, edema macular, membrana epirretiniana e descolamento de retina. Aproximadamente 75% dos casos são idiopáticos e 25% são secundários a outras doenças oculares como uveíte, descolamento de retina, toxoplasmose congênita e doença de Coats. O diagnóstico é clínico. A angiofluoresceinografia e a ultrassonografia ocular contribuem para a confirmação diagnóstica. O tratamento, quando indicado, pode ser feito por meio de crioterapia, fotocoagulação a laser, excisão cirúrgica, radioterapia e injeções intravítreas de antiangiogênicos. Nesse artigo, descrevemos a ocorrência de tumor vasoproliferativo da retina secundário a descolamento de retina regmatogênico crônico em paciente alto míope, além dos resultados do tratamento cirúrgico com crioterapia e buckle escleral.

Palavras-chave: Retina; Tumor vasoproliferativo; Descolamento de retina.

ABSTRACT

Vasoproliferative retinal tumor is an acquired disease characterized by vascular lesions, usually located in the pre-equatorial and inferotemporal region, that can cause exudates, macular edema, epiretinal membrane, and retinal detachment. Approximately 75% of cases are idiopathic ocular conditions and 25% are secondary to other eye diseases such as uveitis, retinal detachment, congenital toxoplasmosis, and Coats disease. Vasoproliferative retinal tumors are clinically diagnosed, and they can be confirmed by fluorescein angiography and ocular ultrasonography. Treatment, when indicated, involves cryotherapy, laser photocoagulation, surgical excision, radiation therapy, and intravitreal injections of antiangiogenic drugs. In this article, we describe the occurrence of a vasoproliferative retinal tumor secondary to chronic rhegmatogenous retinal detachment in a high myopic patient and the outcomes of its treatment with cryotherapy and scleral buckle surgery.

Keywords: Retina; Vasoproliferative tumor; Retinal detachment.

INTRODUÇÃO

Tumor vasoproliferativo da retina (TVPR) é uma lesão benigna rara que acomete principalmente adultos jovens e brancos. Embora a fisiopatologia não seja totalmente esclarecida, acredita-se que sua formação ocorra devido a uma proliferação vascular reativa a fenômenos isquêmicos e/ou inflamatórios. O estudo histológico evidencia células gliais entrelaçadas à rede capilar fina e dilatada, com presença de exsudatos e macrófagos. Clinicamente apresenta-se como massas sólidas de coloração amarelo avermelhada, localizadas na periferia, frequentemente associadas a alterações exsudativas e hemorrágicas1,2.

Quanto à classificação, podem ser divididas em idiopática ou secundária, sendo a forma idiopática mais prevalente, responsável por 75% dos casos. A forma secundária pode apresentar relação com uveítes, retinose pigmentar, retinopatia da prematuridade, retinopatia falciforme e doença de Coats. As lesões costumam ser periféricas, únicas, unilaterais, localizadas nos quadrantes temporal-inferior e inferior, com dimensões menores que 10mm. Pacientes portadores de TVPR podem cursar com baixa acuidade visual. Outras manifestações oculares da doença são: dilatação vascular com ou sem exsudação, fibrose sub retiniana, hemorragia vítrea, descolamento de retina (DR)3.

Embora a terminologia de tumor vasoproliferativo seja amplamente utilizada, acredita-se que não se trate de um tumor verdadeiro, devendo ser considerado como um pseudotumor retiniano. Não existe, até o momento, consenso quanto a melhor forma de tratamento, que deve ser individualizada. A seguir, um breve relato de um caso de TVPR secundário a DR regmatogênico prévio seguido por uma breve discussão do seu tratamento.

 

RELATO DE CASO

Mulher de 48 anos, com queixa de baixa acuidade visual súbita indolor em olho esquerdo (OE) há 20 dias, sem trauma associado. Antecedentes de alta miopia e quadro prévio de DR regmatogênico há 18 anos, tratado a laser. Ao exame, acuidade visual de 20/20 em olho direito (OD) com equivalente esférico (EE) de -7,50 dioptrias esféricas (DE) e 20/60 em OE com EE -6,25 DE. Exame de biomicroscopia evidenciou cristalino transparente em ambos os olhos. Fundo de olho direito sem alterações. Fundo de olho esquerdo com DR acometendo mácula, estendendo-se a região inferior e temporal inferior, onde visualizam-se lesão vasoproliferativa e área exsudativa com hemorragia sub-retiniana (Figura 1). Marcas de laser foram visualizadas delimitando área temporal inferior, além de rasgo em periferia temporal inferior. Ultrassonografia (US) de OE descartou lesões sugestivas de câncer ou alterações em coroide. Exame de angiofluoresceinografia mostrou neovasos em topografia de lesão (Figura 2), enquanto tomografia de coerência óptica (OCT) de mácula mostrou fluido sub-retiniano acometendo o centro da fóvea (Figura 3A).

 


Figura 1. Retinografia colorida de grande angular de olho esquerdo mostrando descolamento de retina acometendo mácula, estendendo-se à região temporal inferior, onde visualizam-se neovasos e área exsudativa com hemorragia intrarretiniana. Notam-se marcas de laser delimitando área temporal inferior.

 

 


Figura 2. Exame de angiofluoresceinografia em fase tardia mostrando neovasos em topografia de lesão com extravasamento de contraste por leakage.

 

 


Figura 3. Exames de tomografia de coerência óptica seriados mostrando evolução do caso pré-tratamento (A) e após 3 meses da intervenção cirúrgica (B).

 

Sob hipótese diagnóstica de TVPR em OE com DR regmatogênico associado, tratamento inicial com 0,05ml de Bevacizumab intravítreo foi realizado na tentativa de reduzir a exsudação local. Em reavaliação após 14 dias, paciente mantinha lesão e descolamento de retina, com acuidade visual corrigida de 20/20 (OD) e 20/125 (OE). Foi optado, então, por tratamento cirúrgico com crioterapia, drenagem temporal inferior do fluido sub-retiniano e retinopexia primária. O procedimento foi realizado sem intercorrências e a paciente evoluiu satisfatoriamente. No 3° mês de pós-operatório, a retina permaneceu aplicada e a paciente apresentava acuidade visual em OD 20/20, com EE de -7,50 DE, e em OE 20/20, com EE de -9,25 DE (Imagem 3B).

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico de TVPR é essencialmente clínico. Exames complementares como a angiofluoresceinografia (AGF) e a US podem auxiliar no diagnóstico. Frequentemente a AGF tem papel limitado visto à localização tumoral periférica: quando possível, observa-se rápido enchimento na fase arterial, enquanto, na fase venosa, a presença de leakage e staining que permanecem nas fases tardias3. Já no US, visualiza-se estrutura de média a alta refletividade, com ausência de ângulo kappa e sem sinais de vascularização interna4.

O manejo dos TVPR é bastante variável e o tratamento geralmente é instituído quando há perda de acuidade visual como em casos de edema macular, membrana epirretiniana ou descolamento de retina. Quando essas manifestações não estão presentes, pode-se optar por conduta expectante3. Diversas formas de tratamento foram propostas, com destaque para crioterapia, fotocoagulação a laser, terapia fotodinâmica (PDT), injeção intravítrea de antiangiogênicos, braquiterapia e ressecção cirúrgica.

A crioterapia mostra-se como principal arsenal terapêutico5. Devido a localização periférica dos tumores, a crioterapia pode ser realizada via transconjuntival sob visualização direta com auxílio óptico. Como complicações dessa modalidade de tratamento, pode-se citar o edema macular e o descolamento de retina em área adjacente à crioterapia6.

A braquiterapia costuma ser indicada em tumores com espessuras maiores que 2,5 mm associados a descolamento de retina. Estudos prévios descreveram casos em que a braquiterapia com Rutênio e Iodo levaram a remissão completa do tumor, exceto em casos associados à glaucoma neovascular7,8.

Fotocoagulação a laser, PDT e injeção intravítrea de antiangiogênicos são, geralmente, usados em associação com outra forma de tratamento. A fotocoagulação a laser pode ser usada em tumores pequenos enquanto o PDT apresenta limitação devido à localização periférica do tumor9. Injeção intravítrea usada como monoterapia parece causar remissão transitória no tamanho do tumor, com recidiva da lesão durante o follow-up. O maior benefício de sua aplicação ocorre em casos que cursem com edema macular concomitante10. Os casos de ressecção cirúrgica ficam limitados à falha de outras terapias ou em casos de lesões múltiplas associadas à hemorragia vítrea11.

Casos de TVPR secundários a DR crônico são raros e provavelmente relacionados a hipóxia crônica das camadas externas da retina devido hipofluxo sanguíneo e ruptura da camada de Bruch, com crescimento da lesão oriunda da vasculatura da coroide12. Há relatos de formação de TVPR após diversas formas de tratamento de descolamento de retina, como buckle escleral, fotocoagulação a laser e vitrectomia12-14.

No presente caso, devido à localização periférica da lesão e presença de descolamento de retina regmatogênico associado, optamos pela realização de retinopexia primária (faixa 42, drenagem temporal inferior e crioterapia). Paciente realizou follow-up regularmente, com boa evolução e remissão completa da lesão.

TVPR são lesões benignas e raras que podem causar prejuízo visual significativo. Dessa forma, deve ser realizada avaliação individualizada para garantir terapêutica adequada, seja com tratamento clínico, cirúrgico ou observacional, com objetivo de preservar a qualidade visual do paciente. Avaliação oftalmológica periódica é fundamental em pacientes com tratamento prévio para descolamento de retina em busca de possíveis lesões que acometem a periferia retiniana.

 

REFERÊNCIAS

1. Jain K, Berger A, Yucil Y, McGowan HD. Vasoproliferative tumours of the retina. Eye (Lond). 2003;17(3):364–8.

2. Heimann H, Bornfeld N, Vij O, Coupland SE, Bechrakis NE, Kellner U, Foerster MH. Vasoproliferative tumours of the retina. Br J Ophthalmol. 2000;84(10):1162-9.

3. Shields CL, Shields JA, Barrett J, De Potter P. Vasoproliferative tumors of the ocular fundus. Classification and clinical manifestations in 103 patients. Arch Ophthalmol. 1995;113(5):615-23.

4. Piñeiro-Ces A, Blanco-Teijeiro MJ, Mera-Yáñez MP, Capeans-Tome C. [Ultrasound diagnosis in vasoproliferative tumours of the ocular fundus]. Arch Soc Esp Oftalmol. 2011;86(8):247-53.Spanish.

5. Makdoumi K, Crafoord S. Vasoproliferative retinal tumours in a Swedish population. Acta Ophthalmol. 2011;89(1):91-4.

6. Marback EF, Guerra RL, Maia Junior OO, Marback RL. Retinal vasoproliferative tumor. Arq Bras Oftalmol. 2013;76(3):200–3. 

7. Anastassiou G, Bornfeld N, Schueler AO, Schilling H, Weber S, Fluehs D, et al. Ruthenium-106 plaque brachytherapy for symptomatic vasoproliferative tumours of the retina. Br J Ophthalmol. 2006;90(4):447-50.

8. Cohen VM, Shields CL, Demirci H, Shields JA. Iodine I 125 plaque radiotherapy for vasoproliferative tumors of the retina in 30 eyes. Arch Ophthalmol. 2008;126(9):1245-51.

9. Blasi MA, Scupola A, Tiberti AC, Sasso P, Balestrazzi E. Photodynamic therapy for vasoproliferative retinal tumors. Retina. 2006;26(4):404-9.

10. Rogers C, Damato B, Kumar I, Heimann H. Intravitreal bevacizumab in the treatment of vasoproliferative retinal tumours. Eye (Lond). 2014;28(8):968-73.

11. Yeh S, Wilson DJ. Pars plana vitrectomy and endoresection of a retinal vasoproliferative tumor. Arch Ophthalmol. 2010;128(9): 1196-9.

12. Felder KS, Brockhurst RJ. Retinal neovascularization complicating rhegmatogenous retinal detachment of long duration. Am J Ophthalmol. 1982;93(6):773-6.

13. Gottlieb F, Fammartino JJ, Stratford TP, Brockhurst RJ. Retinal angiomatous mass. A complication of retinal detachment surgery. Retina. 1984 Summer-Fall;4(3):152-7. 

14. Gray RH, Gregor ZJ. Acquired peripheral retinal telangiectasia after retinal surgery. Retina 1994;14(1):10–3.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

 

 

 

 

 

 

 

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 1 de Dezembro de 2022.
Aceito em: 11 de Março de 2023.


© 2024 Todos os Direitos Reservados