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Casos Clínicos Discutidos

Efeito terapêutico de Ranibizumabe em edema macular e perfusão retiniana associado a raro caso de Eales central

Therapeutic effect of Ranibizumab on macular edema and retinal perfusion associated with a rare case of central Eales

André Luís Ayres da Fonsêca1; Fernanda Maria Silveira Souto2; Heitor Panetta3; Maurício Abujamra Nascimento4; Andrea Mara Simões Torigoe5

DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2016.75

RESUMO

A doença de Eales é uma vasculopatia retiniana periférica idiopática que acomete principalmente homens jovens saudáveis. As manifestações clínicas consistem em três achados característicos: vasculite retiniana periférica, não perfusão capilar e neovascularização retiniana e de disco óptico. Em poucas séries de casos é descrita rara forma de acometimento central, doença de Eales Central. Nessa forma, os achados típicos da doença de Eales são encontrados no polo posterior. O tratamento da doença de Eales depende do estágio clínico em que se encontra a doença e mais recentemente realiza-se terapia com anti-VEGF. Neste relato descreve-se caso de jovem hígido portador da rara doença de Eales Central e resultado favorável da terapia intravítrea com ranibizumabe usada complementarmente à fotocoagulação panretiniana. Demonstrou-se evolução clínica satisfatória em olho submetido a terapia intravítrea de anti-VEGF ranibizumabe com redução da espessura retiniana em área macular e melhora da acuidade visual.

Palavras-chave: Ranibizumab; Edema Macular; Vasculite retiniana

ABSTRACT

Eales disease is an idiopathic peripheral vasculopathy involving the retina that primarily affects healthy young men. The clinical manifestations consist of three characteristic findings: peripheral retinal vasculitis, capillary nonperfusion, and neovascularization of the retina and the optic disc. Few case studies describe the rare form of central involvement in the disease, known as central Eales disease. In it, the typical findings of Eales disease occur in the posterior pole. Eales disease treatment depends on the clinical stage of the disease. Anti-VEGF therapy has recently been used. This report describes the case of a healthy young man with this rare form of Eales disease and the favorable outcome of intravitreal therapy with ranibizumab used in combination with panretinal photocoagulation. Satisfactory clinical improvement was observed in the eye that underwent intravitreal anti-VEGF treatment with ranibizumab, particularly in terms of the reduction in retinal thickness in the macular region and improvement in visual acuity.

Keywords: Retinal Vasculitis; Macular Edema; Ranibizumab

INTRODUÇÃO

A doença de Eales consiste em uma vasculopatia retiniana periférica idiopática que afeta principalmente homens jovens saudáveis entre a 2ª e 4ª décadas de vida1. Em apresentações iniciais pacientes podem ser assintomáticos e em seguida aparecem as queixas mais comuns como diminuição da acuidade visual (AV) indolor e entopsias1,2. Bilateralidade é relatada em cerca de 50-90% dos casos3.

Os três sinais característicos da doença de Eales consistem em vasculite retiniana periférica, perfusão vascular comprometida e neovascularização retinianas; os achados fundoscópicos variam a depender do estágio clínico1,2,3,4,5,6.

Uma rara variante da doença de Eales conhecida como Eales Central foi descrita em poucas séries de casos1,4. Nela há acometimento da retina central e os achados típicos da doença de Eales são encontrados no polo posterior e não na média periferia, forma de apresentação mais comum. A baixa de visão é intensa e precoce devido à presença de edema macular cistoide5,6,7.

O presente relato descreve caso de homem jovem hígido que, após a exclusão de outras vasculites retinianas, foi diagnosticado como portador da forma de acometimento central da doença de Eales e a evolução clínica satisfatória em olho submetido a terapia intravítrea de anti-VEGF ranibizumabe.

 

RELATO DE CASO

ARM, 37 anos, sexo masculino, auxiliar de produção, procedente de Mogi Guaçu (SP) foi encaminhado ao serviço de Urgência Oftalmológica da Universidade Estadual de Campinas referindo baixa acuidade visual (BAV) progressiva em ambos os olhos (AO) há 2 anos, com piora substancial em olho esquerdo (OE) há 6 meses. Sem antecedentes pessoais e oftalmológicos, boa saúde geral.

Ao exame oftalmológico apresentava AV com correção 0,5 OD e 0,05 OE, biomicroscopia sem anormalidades, ângulo camerular aberto e sem neovascularização à gonioscopia, tonometria 10 mmHg AO.

Fundoscopia revelava vítreo claro e sem celularidade, microaneurismas e hemorragias retinianas “dot-blot” e “chama de vela” concentrados no polo posterior e esparsos em média periferia e periferia retiniana, dilatação vascular periférica, remodelamento vascular pronunciado em polo posterior (telangiectasias e shunts) e em média periferia, neovasos de disco (NVD), edema macular difuso em AO e marcas de laser esparsas.

Tomografia de Coerência Óptica Spectralis® (OCT) evidenciou atenuação da depressão foveal em AO e cistos hiporrefletivos intrarretinianos em camadas internas e externas, espaço hiporrefletivo sub-retiniano em região foveal à esquerda, espessura macular OD 534 µm e OE 457 µm (Figura 1).

 


Figura 1: Tomografia de Coerência Óptica Spectralis® (OCT) antes da terapia intravítrea com anti-VEGF ranibizumabe em paciente com doença de Eales Central

 

Angiografia fluoresceínica Visucam® destacou em AO incompetência vascular periférica difusa nos quatro quadrantes associada a áreas multifocais de não perfusão capilar, presença de shunts arteriovenosos em polo posterior e média periferia, NVD sem ultrapassar limite da papila, aumento da zona avascular da fóvea e edema difuso tardio em região macular (Figura 2).

 


Figura 2: Angiografia fluoresceínica antes da terapia intravítrea com anti-VEGF ranibizumabe em paciente com doença de Eales Central

 

Realizada complementação de fotocoagulação panretiniana bilateral e solicitados exames para elucidação diagnóstica, os quais foram negativos (sorologias para hepatites A, B e C, citomegalovírus, toxoplasmose, sífilis, HIV e rubéola, FAN, ENA 6, Ac antiDNA, FR, Ac anti-CCP3, P-ANCA e C-ANCA, baciloscopia em escarro, anticorpo anticardiolipina e anticoagulante lúpico) além de glicemia de jejum, hemoglobina glicosilada, eletroforese de hemoglobina, homocisteína, PPD e US-doppler de artérias carótidas e vertebrais dentro dos padrões da normalidade. Avaliações de otorrinolaringologia, gastroenterologia, reumatologia, hematologia, pneumologia e neurologia descartam doença vascular obliterativa sistêmica, trombofilias e sarcoidose.

Iniciada terapia intravítrea com ranibizumabe 0.5 mg AO, três aplicações com intervalo mensal e seguimento com critério pró re nata (PRN).

Após 2ª injeção intravítrea paciente apresentava AV 0,5 OD e percepção luminosa OE e fundoscopia evidenciava diminuição das hemorragias intrarretinianas, mácula seca à direita e regressão dos NVD em AO. Devido manutenção da BAV em OE decorrente de dano inflamatório em nervo óptico e isquêmico retiniano verificado em eletrorretinograma de campo total e potencial visual evocado, paciente optou por cessar terapia intravítrea em OE.

Um mês após 3a aplicação intravítrea em OD, AV OD 0,4 e movimento de mãos OE. Fundoscopia mantinha achados descritos após a 2ª injeção e OCT OD apresentava restabelecimento de depressão foveal, ausência de cistos hiporrefletivos intrarretinianos, espessamento retiniano difuso “sponge-like edema”, espessura macular 415 µm (Figura 3).

 


Figura 3: Tomografia de Coerência Óptica Spectralis® (OCT) após a terapia intravítrea com anti-VEGF ranibizumabe em paciente com doença de Eales Central

 

Após mais 3 aplicações ranibizumabe 0.5mg seguimento PRN paciente apresenta AV 0,4 OD e movimento de mãos OE. Em OD, mácula mantinha-se seca e achados tomográficos permaneciam estáveis com espessura macular 375 µm. Angiografia fluoresceínica demonstrava melhora do padrão de incompetência vascular periférica em OD, manutenção de áreas multifocais de não perfusão capilar e numerosos shunts arteriovenosos à esquerda e vazamento discreto tardio em região macular OD e acentuado OE (Figura 4).

 


Figura 4: Angiografia fluoresceínica após a terapia intravítrea com anti-VEGF ranibizumabe em paciente com doença de Eales Central

 

O paciente segue em acompanhamento regular no setor de Retina e Vítreo do Departamento de Oftalmología - Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC - UNICAMP), com manutenção da AV através de terapia intravítrea de anti VEGF (ranibizumabe 0.5 mg).

 

DISCUSSÃO

A etiopatogenia da doença de Eales permanece incerta1,2,3,4. Sugere-se que mecanismos imunomediados combinados à inflamação e oclusão venosa e arterial participem da fisiopatologia da doença. Associações com doenças sistêmicas tais como tuberculose, esclerose sistêmica, disfunções vestibuloauditivas, distúrbios da coagulação sanguínea já foram propostas, mas nunca consistentemente confirmadas1,4.

O diagnóstico de doença de Eales é de exclusão. Vasculites retinianas, tais como leucemia, sarcoidose, sífilis, lúpus eritematoso sistêmico, toxoplasmose, tuberculose, doença de Behçet e retinopatias vasculares proliferativas, a exemplo de diabetes mellitus, anemia falciforme, oclusões vasculares venosas retinianas, que mimetizam o quadro devem ser excluídas2,4,5.

O caso clínico apresentado difere da típica apresentação periférica de alterações retinianas ao acometer preferencialmente a região central, correspondendo a um caso da rara variante descrita como doença de Eales Central2,4. O acometimento macular é achado incomum, presente em cerca de 18% dos olhos afetados2,4.

O tratamento da doença de Eales objetiva reduzir a vasculite, minimizar o risco de hemorragia vítrea e, em casos avançados, remover cirurgicamente hemorragias vítreas persistentes e trações vitreorretinianas4,7,8,9. No estágio inflamatório com vasculite ativa, o tratamento é feito com corticoide periocular e oral e, em casos selecionados, opta-se por terapia endovenosa e intravítrea. Fotocoagulação panretiniana é o tratamento padrão ouro no estágio proliferativo. Após adequado tratamento com laser, regressão de neovascularização retiniana foi observada em 89% dos casos8,9. A cirurgia vitreorretiniana é indicada em casos de hemorragia vítrea persistente, descolamento de retina tracional envolvendo o polo posterior e descolamento de retina combinado - tracional e regmatogênico1,4,7,8,9.

Terapia com anti-VEGF se estabeleceu como alternativa para o tratamento da doença de Eales devido à comprovação da associação entre a expressão do VEGF e a proliferação neovascular presente nessa doença1,6,8. Assim, a terapêutica intravítrea com anti-VEGF é complementar à fotocoagulação panretiniana ou cirurgia vitreorretiniana, a depender do estágio clínico1,6,8. Demonstrou-se também eficaz na redução da espessura macular em casos de edema macular com melhora importante da acuidade visual10. Esse achado está de acordo com o apresentado no caso relatado.

O caso descrito demonstra evolução clínica satisfatória em olho submetido a terapia intravítrea de anti-VEGF ranibizumabe em paciente portador da forma de acometimento central da doença de Eales. Notou-se preservação relativa de arquitetura retiniana macular analisada ao OCT e diferença de perfusão vascular retiniana e padrão de vazamento vascular central analisados à angiografia fluoresceínica.

O prognóstico visual da doença de Eales depende da instituição precoce e correta da terapêutica mais adequada para a fase clínica da doença1,4,7. O envolvimento macular, verificado em casos de doença de Eales Central, figura-se como importante causa de comprometimento da acuidade visual final4,6,7.

 

REFERÊNCIAS

1. Eales H. Retinal haemorrhage associated with epistaxis and constipation. Birmingham: Hall and Englis; 1980

2. Das T, Pathengay A, Hussain N, Biswas J. Eales’ disease: diagnosis and management. Eye. 2010;24(3):472-82. http://dx.doi.org/10.1038/eye.2009.315

3. Davis J, Schecter SH, Sowka J. Eales’ disease: the great masquerader. Optometry. 2009;80(7):354-9. http://dx.doi.org/10.10167j.optm.2008.10.016

4. Biswas J, Sharma T, Gopal L, Madhavan HN, Sulochana KN, Ramakrishnan S. Eales disease: an update. Surv Ophthalmol. 2002;47(3):197-214. http://dx.doi.org/10.1016/S0039-6257(02)00288-6

5. Das T, Biswas J, Kumar A, Nagpal PN, Namperumalsamy P, Patnaik B, et al. Eales disease. Indian J Ophthalmol. 1994;42(1):3-18. Disponível em: http://www.ijo.in/text.asp?1994/42/1/3/25586

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8. Juarez CP, Gramajo AL, Luna JD. Combination of intravitreal bevacizumab and peripheral photocoagulation: an alternative treatment in eales disease. Med Hypothesis Discov Innov Ophthalmol. 2013;2(2):30-3. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3939753/

9. El-Asrar AMA, Al-Kharashi SA. Full panretinal photocoagulation and early vitrectomy improve prognosis of retinal vasculitis associated with tuberculoprotein hypersensitivity (Eales’ disease). Br J Ophthalmol. 2002;86(11):1248-51. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1771369/

10. Gupta SR, Flaxel CJ. The use of a vascular endothelial growth factor inhibitor (ranibizumab) in macular edema due to eales disease. Retin Cases Brief Rep. 2012;6(1): 122-4. http://dx.doi.org/10.1097/ICB.0b013e31821608e8

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 1 de Dezembro de 2016.
Aceito em: 9 de Dezembro de 2016.


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