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Conduta Baseada em Evidência

Associação da assimetria do acometimento corneano no ceratocone com a posição preferencial de dormir

Association between asymmetrical corneal involvement and preferred sleeping position among keratoconus patients

Mário Henrique Camargos de Lima1; Alex Roque Rizzi2; Francisco Nepomuceno Neto3; Rosângela Aparecida Simoceli4; Fernando Betty Cresta5; William Camargos de Lima6; Gustavo Victor7; Milton Ruiz Alves8

DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2016.65

RESUMO

OBJETIVO: Verificar se há associação da assimetria do acometimento corneano no ceratocone com a posição preferencial de dormir.
MÉTODOS: Realizou-se estudo clínico prospectivo. Todos os participantes foram submetidos a questionário para avaliação da posição preferencial de dormir. Classificou-se como "olho dependente" o olho posicionado inferiormente durante o sono, independentemente do decúbito (lateral ou ventral), e de "olho não dependente" o olho posicionado superiormente, tanto em decúbito lateral quanto ventral.
RESULTADOS: O presente estudo mostrou maiores alterações topográficas nos "olhos dependentes" de portadores de ceratocone e que podem estar relacionadas com a posição de dormir. Independentemente das posições de decúbito lateral direita ou esquerda observou-se maior alteração topográfica da córnea no "olho dependente" com ceracotone e este achado poderia ser explicado pela ocorrência de traumas mecânicos originados durante o sono e secundários à posição preferencial de dormir.
CONCLUSÃO: É fundamental que na orientação ao paciente com ceratocone sejam identificados e reduzidos os efeitos de fatores de risco associados com a evolução da doença. Considerando-se que passamos grande parte de nossas vidas dormindo, esclarecimentos sobre preferências de posições e cuidados ao dormir poderão ser benéficos para os pacientes portadores de ceratocone.

Palavras-chave: Córnea; Sono; Ceratocone

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine whether there is an association between corneal affection asymmetry in keratoconus and preferred sleeping position.
METHODS: A prospective clinical study was performed. All participants answered a questionnaire to report their preferred sleeping position. Regardless of the decubitus (lateral or ventral), the eye that was positioned inferiorly during sleep was classified as the “dependent eye”, and the eye positioned superiorly was classified as the “non-dependent eye”.
RESULTS: This study indicated greater topographic changes in the dependent eyes of keratoconus carriers; this finding may be associated with the patient’s sleeping position. Regardless of the right or left lateral decubitus positions, greater topographic abnormalities were observed in the corneas of the dependent eye. This finding may be explained by the occurrence of mechanical traumas during sleep and may be secondary to the preferred sleeping position.
CONCLUSION: In the treatment of keratoconus, it is essential to identify and reduce the risk factors associated with disease progression. Considering the fact that humans spend a considerable amount of time sleeping, keratoconus patients may benefit from clarifications on position preferences and sleeping habits.

Keywords: Cornea; Sleep; Keratoconus

INTRODUÇÃO

O ceratocone é uma doença ectásica bilateral que evolui com afinamento do estroma e protrusão progressiva da córnea resultando em astigmatismo irregular, baixa de visão e distorção visual secundária a aberrações de alta ordem 1. A doença é caracterizada por uma progressão lenta e estima-se que sua incidência seja variável de acordo com a população estudada e critérios diagnósticos utilizados; a maioria das estimativas varia entre 50 e 230 casos para 100.000 habitantes na população geral 1,2.

A etiologia do ceratocone foi objeto de inúmeros estudos e se aceita que a predisposição genética é acompanhada de fatores ambientais 1,2,3. Questiona-se, atualmente, a natureza não inflamatória da doença 3. O ato de coçar os olhos contribui para a patogênese do ceratocone 4.

As características viscoelásticas da córnea colocam as alterações da pressão intraocular (PIO) como um dos fatores suspeitos de contribuir para a evolução das ectasias corneanas 5. Eventos agudos como a perfuração e a hidropisia podem apresentar relação com variações pressóricas 5.

A variação da PIO durante as mudanças de decúbito é fato consagrado na literatura e foi exaustivamente analisada em estudos de anestesiologia que relatam que o aumento da PIO pode ocasionar complicações relacionadas à perfusão ocular em decúbitos ventrais prolongados 6,7,8,9.

O ser humano passa geralmente de um terço a um quarto de sua vida dormindo, e variações de decúbito são relacionadas à variação da PIO durante o sono. Kim et al. 10 entrevistaram 692 pacientes portadores de glaucoma de ângulo aberto utilizando um questionário que determinava a posição preferencial de dormir e sua relação com a assimetria da perda campimétrica. Há ainda relatos de maior prevalência de ceratocone em pacientes portadores de apneia do sono 11.

O presente estudo teve por objetivo verificar se há associação da assimetria do acometimento corneano no ceratocone com a posição preferencial de dormir.

 

MÉTODOS

Realizou-se estudo clínico prospectivo aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Padre Bento, Guarulhos, Brasil. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, exceto os menores de idade, por quem assinaram um dos pais ou o responsável. O estudo foi realizado nas dependências da divisão de Oftalmologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, no período compreendido entre janeiro e dezembro de 2014.

A população do estudo foi constituída por 60 indivíduos com mais de 10 anos de idade e com diagnóstico topográfico de ceratocone. Os participantes incluídos no estudo apresentavam ceratocone classificado pela topografia em Grau II (moderado, entre 45,00 - 52,00D), Grau III (avançado, entre 52,00-62,00D) ou Grau IV (intenso, maior que 62,00D). Foram excluídos os portadores de afecções oculares inflamatórias e/ou infecciosas e aqueles com antecedentes de cirurgia ocular prévia.

Todos os participantes foram submetidos ao questionário proposto por Kim et al. 9 para avaliação da posição preferencial de dormir Figura 1. Classificou-se como "olho dependente" o olho posicionado inferiormente durante o sono, tanto em decúbito lateral quanto ventral, e de "olho não dependente" o olho posicionado superiormente, tanto em decúbito lateral quanto ventral.

 


Figura 1. Questionário para a avaliação da posição de dormir, presença de assimetria do acometimento corneano pelo ceratocone, olho com ceratocone mais avançado e apneia.

 

Todos os participantes foram submetidos à topografia corneana bilateral com o topógrafo EyeSys® System 2000. Os mapas axial e tangencial foram obtidos com escala de 0,50 D. Diferenças maiores de 1 D dos valores da ceratometria média foram utilizados para indicar o olho com o maior acometimento (assimetria). Pesquisou-se ainda a presença de apneia do sono.

Os valores das médias das medidas ceratométricas dos olhos com o menor e com o maior acometimento foram comparados, empregando-se o teste t pareado (variáveis quantitativas). As influências dos decúbitos lateral direito, lateral esquerdo, ventral e preferência de decúbito no desencadeamento da assimetria no "olho dependente" e no "olho não dependente" foram avaliadas com o emprego do teste qui-quadrado (variáveis qualitativas). Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa SPSS versão 18.0 (SPSS Inc.; Chicago, IL, EUA). Foi adotado como nível de significância estatístico o valor de p <0,05.

 

RESULTADOS

A população do estudo foi composta por 60 pessoas, sendo 58% do sexo feminino e 42% do masculino. Foi verificado que 100% dos participantes tinham uma posição preferida de dormir. Dentre as posições de dormir, constatou-se que o decúbito lateral foi o preferido para 67% dos participantes. Em 93,3% dos participantes foram observadas assimetrias topográficas entre os olhos (tabela 1).

 

 

A média ceratométrica dos olhos com menor acometimento foi significativamente menor que a média ceratométrica dos olhos com maior acometimento (valor de p <0,001) (tabela 2).

 

 

Houve associação significativa entre o decúbito lateral e o olho com maior acometimento, ou seja, o "olho dependente" (p= 0,014) (tabela 3).

 

 

O gráfico 1 ilustra um maior acometimento do "olho dependente" na posição de decúbito lateral direita ou esquerda.

 

 

Não houve associação significativa entre as posições de decúbito ventral e lateral com acometimento maior do "olho dependente" (p=0,452) (tabela 4).

 

 

A comparação entre o decúbito lateral, independente do lado do decúbito, mostrou associação consistente com acometimento maior do "olho dependente" (p = 0,005) (tabela 5).

 

 

O gráfico 2 ilustra o maior acometimento do "olho dependente" na posição de dormir para a direita ou para a esquerda.

 

 

Na amostra analisada nenhum paciente apresentou apneia do sono como comorbidade.

 

DISCUSSÃO

A presença de microtraumas é fator determinante para a evolução do ceratocone. O prurido (alergia ocular) e o ato de coçar os olhos estão consistentemente associados à evolução da doença 12. A posição de decúbito leva a alterações da PIO 6 e a posição de dormir foi relacionada à perda assimétrica de campo visual em pacientes portadores de glaucoma primário de ângulo aberto 9.

O presente estudo mostrou maiores alterações topográficas nos "olhos dependentes" com ceratocone que podem estar relacionadas com a posição de dormir. Nas posições de decúbito lateral direita ou esquerda observou-se maior deformação da córnea no "olho dependente" com ceratocone e este achado poderia ser uma resposta a traumas mecânicos originados durante o sono e secundários à posição preferencial de dormir.

É fundamental que na orientação ao paciente com ceratocone sejam identificados e reduzidos os efeitos de fatores de risco associados com a evolução da doença. Por isso, a recomendação de se evitar o ato de coçar os olhos tem sido bastante divulgada e já faz parte das recomendações médicas rotineiras para esses pacientes.4 No entanto, o presente trabalho levanta um novo fator de risco para a evolução do ceratocone. Considerando-se que passamos grande parte de nossas vidas dormindo, esclarecimentos sobre preferências de posições e cuidados ao dormir serão proveitosos para os pacientes com ceratocone. Será muito bem-vinda a criação de dispositivos para serem usados por esses pacientes durante o sono, desde que consigam minimizar o risco dos microtraumas oculares durante a noite.

Estudos clínicos prospectivos com seguimento dos pacientes com ceratocone são necessários para reforçar a validade destes achados.

 

REFERÊNCIAS

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5. McMonnies CW. The possible significance of the baropathic nature of keratectasias. Clin Exp Optom. 2013; 96:197-200. https://doi.org/10.1111/j.1444-0938.2012.00726.x

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8. Lee L, Lam A. Unilateral blindness after prone lumbar spine surgery. Anesthesiology. 2001;95:793-5. Disponível em: http://anesthesiology.pubs.asahq.org/article.aspx?articleid=1944802

9. Ozcan MS, Praetel C, Bhatti MT, Gravenstein N, Mahla ME, Seubert CN. The effect of body inclination during prone positioning on intraocular pressure in awake volunteers: a comparison of two operating tables. Anesth Analg. 2004;99:1152-8. http://dx.doi.org/10.1213/01.ANE.0000130851.37039.50

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12. McMonnies CW. Mechanisms of rubbing-related corneal trauma in keratoconus. Cornea. 2009;28:607-15. http://dx.doi.org/10.1097/ICQ.0b013e318198384f

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 24 de Outubro de 2016.
Aceito em: 24 de Novembro de 2016.


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