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Diretrizes das Sociedades de Subespecialidades

Deficiência Visual: medidas, terminologia e definições

Visual impairment: measures, terminologies, and definitions

Maria Aparecida Onuki Haddad1; Marcos Wilson Sampaio2; Helder Alves da Costa Filho3; Milton Ruiz Alves4; Maria de Fátima Néri Góes5; Keila Monteiro de Carvalho6; Dr. Alexandre Costa Lima de Azevedo (in memoriam)

DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2015.17

RESUMO

A terminologia a ser adotada pelos profissionais da área de reabilitação da baixa visão e também de assuntos pertinentes à atuação de profissionais e serviços é de suma importância para: colaborar nas diretrizes de ações voltadas para a inclusão da pessoa com deficiência visual; colaborar com a atuação profissional; disseminar o “padrão-ouro” de atuação na área da baixa visão; discutir a atuação interdisciplinar e papéis dos diversos profissionais; melhoria da qualidade de serviços. Esta publicação esclarecerá sobre as medidas, terminologia e definições da deficiência visual.

Palavras-chave: Reabilitação Visual Deficiência Visual Diretrizes

ABSTRACT

The terminology adopted by professionals in the field of low vision rehabilitation, as well as in topics that are pertinent to the work of professionals and healthcare practices is of paramount importance for collaboration on the guidelines of actions geared towards the inclusion of the visually impaired person, consistency of professional performance; disseminating the “gold standard” of activity in the field of low vision; discussing interdisciplinary activities and roles of various professionals and overall improved quality of services.
This publication will shed light on the measures, terminology, and definitions of visual impairment.

Keywords: Visual Rehabilitation. Visual Impairment. Care Standards.

INTRODUÇÃO

A terminologia na área da deficiencia visual apresenta abordagens diferenciadas, de acordo com a proposição das classificações e definições desenvolvidas. Dessa forma, observam-se dificuldades de comunicação entre profissionais e serviços na área da reabilitação visual, uma vez que diferentes terminologias podem ser adotadas 1.

Faz-se necessária a uniformização de conceitos, definições e terminologias para melhora da comunicação entre profissionais e para investigação científica 2.

No mundo globalizado, o emprego de uma linguagem única permite a comparação de dados de estudos nos diferentes países e regiões epidemiológicas 3.

Apresentamos, a seguir, as definições e termos preconizados pelas principais classificações internacionais empregadas na área da reabilitação visual.

 

CID-10

De acordo com a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional das Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID-10), considera-se visão subnormal, ou baixa visão, quando o valor da acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 e maior ou igual a 0,05 (categorias 1 e 2 de graus de comprometimento visual) e considera-se cegueira quando esses valores encontram-se abaixo de 0,05 (categorias 3, 4 e 5 de comprometimento visual).

Os pacientes cujo campo visual se encontra entre 5º e 10° em torno do ponto central de fixação devem ser classificados no grau 3 e os pacientes com campo até 5º em torno do ponto central de fixação serão considerados na categoria 4, mesmo se a acuidade central não estiver comprometida4.

A presente categorização baseia-se nas recomendações realizadas no ano de 1972 pelo Grupo de Estudo para a Prevenção da Cegueira da OMS e foi incluída na 9ª revisão da Classificação Estatística das Doenças e Problemas Relacionados à Saúde de 1975 5.

De acordo com a CID-10, teremos os seguintes códigos das categorias de deficiência visual:

H54.0 Cegueira, ambos os olhos
Classes de comprometimento visual 3, 4 e 5 em ambos os olhos

H54.1 Cegueira em um olho e visão subnormal em outro
Classes de comprometimento visual 3, 4 e 5 em um olho, com categorias 1 ou 2 no outro olho

H54.2 Visão subnormal de ambos os olhos

Classes de comprometimento visual 1 e 2 em ambos os olhos

A OMS, atualmente, realiza discussões para o preparo da 11º Revisão da CID a ser publicada no ano de 2015. Dessa forma, algumas atualizações são propostas e serão possivelmente incorporadas à nova revisão.

As recomendações propostas e que poderão incorporar a CID-11 em 2015 são 6:

• empregar o termo “acuidade visual apresentada” no lugar de “acuidade visual com a melhor correção óptica”;

• excluir o termo “baixa visão” da CID e usar as categorias de deficiência visual 1, 2 ou 3;

• alterar as subcategorias H 54:

H54.- deficiência visual, incluindo a cegueira

H54.0 cegueira, binocular
(deficiência visual categorias 3,4 e 5)

H54.1 deficiência visual grave, binocular
(deficiência visual categoria 2)

H54.2 deficiência visual moderada, binocular
(deficiência visual categoria 1)

H54.3 deficiência visual leve ou ausência de deficiência visual, binocular
(deficiência visual categoria 0)

H54.4 cegueira, monocular
(deficiência visual categorias 3, 4, 5 em um olho e categorias 0, 1, 2 ou 9 no outro olho)

H54.5 deficiência visual grave, monocular
(deficiência visual categoria 2 em um olho e categorias Om 1 ou 0 no outro olho)

H54.6 deficiência visual moderada, monocular
(deficiência visual categoria 1 em um olho e categorias 0 ou 9 no outro olho)

H54.9 deficiência visual não especificada
(deficiência visual categoria 9)

 

CIF

A versão atual da CIF difere substancialmente da versão de 1980 (que estudava o impacto da doença na condição de saúde da pessoa) na representação das inter-relações entre funcionalidade e incapacidade e transformou-se numa classificação de componentes da saúde e suas múltiplas interações. Sua abordagem é biopsicossocial 7.

O significado da condição visual para o indivíduo depende da sua interação com fatores sociais, ambientais, psíquicos, familiares, laborativos8,9.

A Classificação é baseada em um sistema alfa numérico, no qual cada letra (prefixo) corresponde a uma das subdivisões:

b (body) = Funções do Corpo

s (structure) = Estruturas do Corpo

d (domínio) = Atividades e Participação

e (environment) = Fatores ambientais

Após as letras seguem os números que representam os diferentes níveis de informação.

 

 

É importante notar que a CIF não classifica pessoas, mas descreve a situação delas dentro dos domínios da saúde ou relacionados à saúde. Essa descrição é sempre feita dentro dos contextos dos fatores ambientais e pessoais. A defesa da pessoa com incapacidade ou limitação pode ser intensificada por meio da utilização da CIF.

Ela pode ajudar a identificar onde está o principal problema da incapacidade, se ele está no ambiente (existência de uma barreira ou ausência de um facilitador), na capacidade limitada do próprio do indivíduo, ou em alguma combinação destes fatores.

No caso do deficiente visual, se está na estrutura do olho ou na visão funcional, dependendo da patologia apresentada.

Com essas informações, as intervenções podem ser escolhidas adequadamente, com resultados mais satisfatórios.

 

ICO

O ICO - Conselho Internacional de Oftalmologia tem a classificação mais recente, elaborada em Abril de 2002 na Austrália, com o intuito de normatizar a classificação, para que possa ser usada pelos profissionais médicos e não médicos que trabalham com deficientes visuais 10.

O relatório apresenta a terminologia a ser adotada pela comunidade oftalmológica:

Cegueira: a ser empregada para perda total da visão e para condições nas quais o indivíduo se utilize, de forma predominante, dos recursos de substituição da visão.

Baixa visão: a ser empregada para níveis menores de perda visual, nos quais o indivíduo possa ser auxiliado, de forma significante, por recursos para melhor resolução visual.

Deficiência visual: a ser empregado quando a diminuição da visão é caracterizada por perda de função visual (como a acuidade visual, campo visual, etc.) por alterações orgânicas. Muitas dessas funções visuais podem ser mensuradas quantitativamente.

Visão funcional: a ser empregado para descrever as habilidades da pessoa no uso de sua visão para o desempenho de tarefas de sua vida diária. Essas atividades podem ser descritas de forma qualitativa.

Perda visual: a ser empregado como termo genérico, tanto para perda total ou perda parcial, caracterizado pela deficiência visual ou por perda funcional.

Para estudo populacional de prevalência da perda visual e para pesquisa clínica recomenda-se:

Visão normal ≥ 0.8

Perda visual leve < 0.8 e ≥ 0.3

Perda visual moderada < 0.3 e ≥ 0.125

Perda visual grave < 0.125 e ≥ 0.05

Perda visual profunda < 0.05 e ≥ 0.02

Perda visual quase total (próximo à cegueira) < 0.02 e ≥ NLP

Perda visual total

 

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Na legislação brasileira, o Decreto N° 5.296 de 2 de dezembro de 2004 regulamenta as Leis n°s 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. 13 No Art. 70, o art. 4o do Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, passam a vigorar os termos relativos à deficiência visual1,7:

cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica;

a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica;

• os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o;

• ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.

Pode-se avaliar que o Decreto Lei 5296 foi baseado na CID-10, com exceção da medida do campo visual.

A Organização Mundial da Saúde, em setembro de 2003, a partir de uma consultoria para o desenvolvimento de normas para caracterização de perda visual e funcionalidade visual, propôs o emprego combinado das classificações apresentadas na CID-10 e pelo Conselho Internacional de Oftalmologia, de acordo com:

 

 

CONSENSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE VISAO SUBNORMAL

De acordo com as classificações apresentadas, o Consenso recomenda que sejam adotadas, de acordo com a finalidade, as classificações como se segue:

• Para estudos populacionais e para pesquisa clínica: recomenda-se o emprego das definições propostas pela 10ª Revisão da CID e quando maior detalhamento for necessário, empregar as categorias de perda visual propostas pelo Conselho Internacional de Oftalmologia.

• Para fins legais, na confecção de relatórios pelos profissionais da área médica, devem ser empregadas as classificações da CID-10 e do Decreto 5296 (dezembro de 2004).

• Na avaliação da funcionalidade visual, com respeito às ações desenvolvidas para a reabilitação do indivíduo, a definição de Bangkok (1992) poderá ser empregada.

• As definições empregadas não poderão ser utilizadas para elegibilidade de um indivíduo ao atendimento em serviços de reabilitação visual. Devem ser considerados aspectos mais abrangentes, desde aspectos pessoais, de pesquisa de funções visuais (além da acuidade visual), de desempenho de suas atividades, de sua participação na sociedade e dentro de seu contexto pessoal, familiar e

• Considera-se para a prática profissional os valores de acuidade visual corrigidos. As orientações para uso da acuidade visual apresentada (que pode não ser corrigida) justificam-se para estudos epidemiológicos e de prevalência da deficiência visual.

• O termo deficiência visual deverá ser empregado tanto para a população cega quanto para a população com baixa visão.

• O termo visão subnormal, por ser uma designação consagrada no nosso meio, poderá ser empregado de forma indiferente do termo baixa visão.

Recomenda ainda o emprego das categorias definidas na 9ª e 10ª Classificação Internacional Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da Organização Mundial da Saúde, na qual teremos:

• Baixa visão < 0.3 e ≥ 0.05

• Cegueira < 0.05

Como “padrão-ouro” para medida da acuidade visual nos estudos populacionais e pesquisa clínica, o Consenso recomenda que seja adotado o protocolo ETDRS do National Eye Institute, National Institutes of Health, USA.

O papel do oftalmologista é avaliar a condição visual do indivíduo, compreender as necessidades específicas para a melhora do desempenho de atividades dependentes da melhor resolução visual, compreender outras necessidades da pessoa com baixa visão (dentro de seu contexto social), encaminhar a outros profissionais da área de reabilitação visual (por exemplo, profissional da área de orientação e mobilidade, profissionais da área de intervenção precoce, psicologia) e indicar e prescrever auxílios ópticos para baixa visão (tanto correção óptica das ametropias quando necessárias como também auxílios ópticos especiais como, por exemplo, sistemas telescópicos e lupas); o oftalmologista, de acordo com as características das diversas funções visuais estudadas, indicará auxílios não ópticos (para modificação de materiais e do ambiente) e também auxílios de vídeo ampliação e de informática.

A avaliação da pessoa com baixa visão é um processo contínuo, de acordo com a progressão da doença ocular de base, com as modificações refracionais, com o desenvolvimento de cada indivíduo e com a modificação de seus interesses. A reavaliação oftalmológica deve, portanto, ser periódica, a critério do oftalmologista e dos serviços e de acordo com o quadro ocular.

 

REFERÊNCIAS

1 Consenso da Sociedade Brasileira de Visão Subnormal. Sociedade Brasileira de Visão Subnormal. Relatores: Haddad MAO; Sampaio MW; Costa Filho HA; Carvalho KMM; Azevedo ACL. RJ, Selles & Henning Comunicação lntegrada;2010.

2 Sampaio MW, Haddad MAO. Baixa visão: manual para o oftalmologista. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan; 2009.176p.

3 Instituto de Migraciones y Servidos Sociales (IMSERSO). Valoraciones de las situaciones de minusvalia, Madrid: IMSERSO, 1 .ª edición: 2000: 316.

4 Organização Mundial da Saúde - Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionadas à Saúde - Décima Revisão. São Paulo: Edusp, 1993.

5 World Health Organization. Consultation on development of standards for characterization of visual loss and visual functioning. Geneva: WHO/PBL/03.91 ;2003.

6 World Health Organization. Change the definition of blindness. Disponível no endereço eletrônico http://www.who.int/blindness/ChanaetheDefinitionofBlindness.pdf

7 Haddad MAO; Sampaio MW. Reabilitação da Pessoa Com Deficiência Visual. In Rodrigues MLV; Kara-José N. Perfil Epidemiológico das principais causas de cegueira no Brasil. Tema Oficial do XX Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 2012:131 -160.

8 Organização Mundial da Saúde. Classificação Internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2003.

9 Buchalla CM. Organização Mundial da Saúde e Família de Classificações Internacionais. In: Sampaio MW, Haddad MAO, Costa Filho HA, Siaulys MOC. Baixa visão e cegueira. Os caminhos para a reabilitação, a educação e a inclusão. Rio de Janeiro: Cultura Médica Guanabara Koogan; 2010. P:17.

10 Azevedo ACL. Legislação e Deficiência Visual. In: Alves MR; Nishi M; Carvalho KM; Ventura LMVO; Schellini SA e Kara-José N. Refração Ocular: Uma Necessidade Social. Tema Oficial do XXI Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual e II Congresso de Oftalmologia de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Cultura Médica; 2014:17-83.

 

 

 

 

 

 

 

 


Alexandre Costa de Lima Azevedo

 

 

 

 

 

 

Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 23 de Abril de 2015.
Aceito em: 18 de Maio de 2015.


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