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Tumores óculo-orbitários infantis: epidemiologia, características clínicas e concordância histopatológica de um serviço terciário

Ocular orbital tumors in children: epidemiology, clinical characteristics, and histopathological concordance in a tertiary service

Juliana Ishii Iguma1; Camila Ishii Iguma2; José Vital Filho1; Ivana Lopes Romero Kusabara1

DOI: 10.17545/eOftalmo/2024.0016

RESUMO

Os tumores óculo-orbitários infantis podem aumentar significativamente a morbidade e a mortalidade, por isso o conhecimento da epidemiologia é essencial no planejamento da assistência à saúde. O objetivo deste estudo é avaliar o perfil epidemiológico dos tumores óculo-orbitários infantis, seus sinais e sintomas, bem como a correlação clínica e histopatológica em um serviço oftalmológico terciário brasileiro. Estudo retrospectivo, com avaliação de prontuários da Santa Casa de São Paulo, de 2017 a 2022. Incluímos crianças até 14 anos incompletos com diagnóstico ou suspeita de tumor óculo-orbitário. Avaliamos a concordância do diagnóstico clínico com o anatomopatológico quando possível. Cinquenta pacientes foram incluídos, 25 do sexo feminino e 25 do masculino. A média de idade no atendimento foi de 5.76±4.4 anos e do início do quadro foi 3.52±3.80 anos. A lateralidade foi de 50% do olho direito, 46% do olho esquerdo e 4% bilateral. Os tumores mais frequentes foram hemangioma (20%), má formação venolinfática (18%) e retinoblastoma (12%). Os tumores mais frequentes foram benignos. Não houve diferença estatística nas características demográficas exceto pela idade do diagnóstico e o tempo de sintomas até o atendimento, que foram significativamente menores nos tumores malignos. A concordância entre o diagnóstico clínico e o histopatológico, de acordo com o coeficiente Kappa, foi moderada.

Palavras-chave: Neoplasias orbitátias; Doenças orbitárias; Neoplasias do Nervo Óptico; Exoftalmia; Epidemiologia.

ABSTRACT

Childhood ocular orbital tumors significantly increase morbidity and mortality, which is why knowledge of their epidemiology is essential in health care planning. This study aimed to evaluate the epidemiological profile of childhood ocular orbital tumors, their signs and symptoms, and the agreement between the clinical and histological diagnoses in a Brazilian tertiary ophthalmology department. This was a retrospective study based on medical records from Santa Casa de São Paulo from 2017 to 2022. We included children up to 14 years of age with a diagnosis or suspicion of an ocular orbital tumor and evaluated the agreement between the clinical and histological diagnoses when possible. Fifty patients were included, of which 25 were female and 25 were male. The mean age at admission was 5.76±4.4 years, and at the onset of the condition, it was 3.52±3.80 years. Laterality was 50% in the right eye, 46% in the left eye, and 4% bilateral. The most frequent tumors were hemangioma (20%), venolymphatic malformation (18%), and retinoblastoma (12%). The tumors that occurred more frequently were benign. There was no statistical difference in the demographic characteristics, except age at diagnosis and time from symptoms to treatment, which were significantly lower in malignant tumors. According to the Kappa coefficient, the agreement between the clinical and histological diagnoses was moderate.

Keywords: Orbital tumors; Orbital diseases; Optic nerve tumors; Exophthalmos; Epidemiology.

INTRODUÇÃO

As doenças orbitárias infantis compõem um grupo diverso de doenças que inclui causas neoplásicas e não neoplásicas. Elas apresentam um padrão epidemiológico variado a depender do país, da condição socioeconômica, do tipo de serviço oftalmológico e do tipo de levantamento realizado1,2. Entre as doenças, os tumores orbitários são um grande desafio ao oftalmologista pela dificuldade do diagnóstico precoce3.

Os tumores podem acometer várias estruturas orbitárias como glândula lacrimal, tecido adiposo e muscular, ossos, vasos sanguíneos, vasos linfáticos, nervos periféricos, além das estruturas intraoculares3. Eles apresentam algumas peculiaridades em apresentações clínicas e radiológicas que requerem a avaliação adequada para definição do diagnóstico e do tratamento4.

Apesar de a maioria ser de etiologia benigna, os tumores podem resultar em um aumento significativo da morbidade e da mortalidade3,5. As lesões podem gerar problemas estéticos, redução e até perda da acuidade visual, alterações de motricidade ocular e, eventualmente, risco de vida1,6.

Estudos epidemiológicos demonstram uma frequência de 8 a 18% de tumores orbitários malignos em crianças e adolescentes. Um estudo realizado na Etiópia em um hospital terciário encontrou um total de 7,1% dos atendimentos oftalmológicos pediátricos, sendo o retinoblastoma e o rabdomiosarcoma os tumores mais prevalentes2. Nos Estados Unidos e Europa Ocidental os tumores malignos são, em sua maioria, tumores primários como o rabdomiossarcoma, enquanto na Índia a principal causa são tumores secundários1.

A avaliação apropriada da prevalência dos tumores é essencial para o planejamento e preparo de medidas preventivas, diagnósticas e curativas dos serviços de saúde2. O objetivo deste estudo é avaliar o perfil epidemiológico dos tumores óculo-orbitários na população pediátrica, seus sinais e sintomas, bem como a correlação clínica e histopatológica em um serviço de atendimento oftalmológico terciário brasileiro.

 

MÉTODOS

O estudo consiste em uma análise descritiva populacional retrospectiva por meio de avaliação de prontuários e resultados histopatológicos de tumores óculo-orbitários infantis. O período analisado foi de julho de 2017 a julho de 2022, utilizando registros dos prontuários eletrônicos do departamento de oftalmologia do hospital da Santa Casa de São Paulo, um serviço de atendimento público de nível terciário.

Os critérios de inclusão considerados foram crianças com idade até 14 anos incompletos, que compareceram em atendimento no setor de órbita da Santa Casa de São Paulo com diagnóstico ou suspeita de tumor intraocular e/ou orbitário e que possuíam registro em prontuário eletrônico. A partir do prontuário obteve-se as informações demográficas como sexo e idade, além de quadro clínico e diagnóstico.

Pacientes sem registro no prontuário eletrônico do departamento foram excluídos, assim como os casos sem diagnóstico definido. Para pacientes com doença bilateral ou com recidiva, foram consideradas as informações do primeiro diagnóstico.

Os dados foram coletados por um pesquisador único e as informações obtidas foram transferidas para tabela Excel para tratamento estatístico que envolveu avaliação de médias e desvio padrão, assim como de porcentagens. Para comparação de algumas variáveis foram utilizados teste de Fisher e t-student, considerando como estatisticamente significativo p<0.05. Para avaliar a concordância entre o diagnóstico clínico e o histopatológico foi utilizado o coeficiente Kappa (Tabela 1).

 

 

RESULTADOS

No período selecionado de julho de 2017 a julho de 2022, um total de 132 pacientes de até 14 anos incompletos compareceram para avaliação no setor de órbita, dentro dos quais 50 (37.8%) eram portadores de tumores óculo-orbitais. O motivo de exclusão dos demais pacientes consta do Gráfico 1.

 

 

Entre os pacientes, 50% eram do sexo masculino e 50% do sexo feminino, não havendo diferença estatística mesmo quando avaliado separadamente os grupos de tumores benignos e malignos. A lateralidade do quadro foi de 50% do olho direito, 46% do olho esquerdo e 4% bilateral (Tabela 2).

 

 

A média de idade no atendimento foi de 5,76 ± 4,4 anos e a idade média do início do quadro clínico foi de 3,52 ± 3,80 anos. Houve uma diferença estatisticamente significativa quando foram analisadas as idades de atendimento entre os tumores benignos, de 6,63 ±4,61 anos, e os malignos, de 3,02 ± 1,98 anos, com p=0,0117. Assim como o tempo de sintomatologia até a procura por atendimento médico que nos tumores benignos foi de 34,15 ± 44,49 meses, e nos tumores malignos foi 1,33 ± 0,73 meses, com p=0,0145 (Tabela 2).

Os sinais e sintomas mais encontrados foram massa tumoral (38%), proptose (32%) e alteração da coloração da pele (28%), entre as quais destacam-se hiperemia e lesões violáceas (Tabela 3).

 

 

Os principais tumores avaliados foram os tumores vasculogênicos, sendo 20% hemangiomas e 18% má formação venolinfática, seguido de 12% de retinoblastoma e 8% de rabdomiossarcoma (Tabela 4).

 

 

Entre os pacientes que apresentaram suspeita ou diagnóstico de tumor, 28 deles passaram por biópsia incisional ou excisional, com avaliação anatomopatológica. A concordância entre o diagnóstico clínico e o histopatológico foi moderada, com coeficiente Kappa de 0,47 (IC 95% 0,194 a 0,762).

 

DISCUSSÃO

A maior parte dos estudos que analisam a frequência de ocorrência dos tumores óculo-orbitários se limita à população adulta, de forma que encontramos poucos estudos sobre os tumores infantis, especialmente da população brasileira. A falta de dados pode eventualmente comprometer a organização do sistema de saúde nos seus diferentes níveis de assistência, além de não ser dada a devida ênfase no ensino destas afecções, implicando em menor facilidade de diagnóstico, acesso ao tratamento e suporte social2,7.

Este trabalho foi desenvolvido em um serviço de saúde pública de nível terciário. No Brasil, a saúde pública é controlada por um Sistema Único de Saúde (SUS), que distribui os atendimentos de acordo com a sua complexidade em nível primário, secundário e terciário, assim como por regiões de saúde com seus respectivos centros de referência. Desta forma, sofre um viés pelo serviço ser referência para casos de alta complexidade que não puderam ser resolvidos nos níveis abaixo, não refletindo a população geral7.

Os sinais e sintomas mais observados na avaliação clínica dos pacientes foram: massa tumoral palpável, proptose, alteração de coloração da pele, edema de pálpebras e alterações da motricidade ocular extrínseca respectivamente. Na Arábia Saudita encontraram achados semelhantes com maior prevalência de proptose/distopia, edema, restrição de motilidade e diplopia respectivamente. Na Etiópia, estudo com frequência de ocorrência de 77.2% de retinoblastoma apontou a proptose e leucocoria como mais frequentes. Esta análise sintomatológica foi escassa em outros estudos, dificultando a comparação1,4.

De forma semelhante com a literatura, em nossa casuística percebemos uma maior frequência de tumores óculo-orbitários benignos, especialmente os vasculogênicos: hemangioma e má formação venolinfática. Os hemangiomas infantis são hamartomas das células endoteliais dos capilares sanguíneos e são considerados os tumores vasculares orbitários mais comuns na infância. A má formação venolinfática, contudo, é um pouco menos comum e entra em um espectro de lesões congênitas complexas da órbita, com envolvimento linfático e vascular5,8,9.

Um estudo realizado na Arábia Saudita com pacientes de até 18 anos identificou, em um período de 13 anos, 107 casos submetidos à biopsia orbitária sendo 43% lesões císticas, seguido de 15% de tumores vasculogênicos. Outros estudos também demonstram uma elevada prevalência de lesões císticas, que são referidas por muitos como a lesão orbital mais comum na população pediátrica. Elas podem ser congênitas ou adquiridas e, em sua maioria, benignas1,8,10,11.

Um estudo retrospectivo de 18 anos, na China, com 719 casos de lesões tumorais ou tumorais-like de pacientes com até 20 anos, evidenciou 92,1% de tumores benignos, sendo nevus, cisto dermoide/epidermoide e epitelioma os mais comuns. Percebe-se que muitas lesões benignas não foram frequentes em nosso estudo, em especial as lesões císticas, podendo ser justificado pela resolubilidade dos níveis primários e secundários para estes tipos de afecções1,12.

Neste mesmo trabalho na China, a idade média de diagnóstico foi de 12,91 ± 4,86 anos, uma idade muito superior à nossa, de 5,76 ± 4,4 anos. Isso fica ainda mais evidente se observarmos a idade média no diagnóstico dos casos malignos que no estudo chinês foi 12,96 ± 4,65 anos, enquanto nós identificamos a média de 3,02 ± 1,98 anos. Este é um ponto relevante pensando no potencial aumento da morbidade e da mortalidade implicado no diagnóstico tardio dos tumores infantis. Os dados encontrados demonstram uma possível maior acessibilidade deste serviço de saúde quando comparado ao de outros estudos da literatura cuja faixa etária predominante é, em média, 6 anos1,3-5,12.

Na Etiópia, um estudo avaliou todas as patologias oculares na população abaixo de 16 anos em um hospital terciário por 1 ano e identificou 88 tumores óculo-orbitários, sendo 66 retinoblastomas, 10 rabdomiossarcomas, 6 hemangiomas e 6 gliomas. O cisto dermoide entrou na categoria anormalidade congênita, e foram observados 18 casos. Diferente dos demais estudos, houve predomínio de tumores malignos, assim como outro estudo na Índia2,3. Percebe-se que o tumor maligno mais comum na população pediátrica nos estudos foi o retinoblastoma1,2,4,12-14.

Em nossa casuística houve muitos casos de tumores menos frequentes e até raros como hiperplasia angiolinfoide com eosinofilia, tumor neuroendócrino e displasia fibrosa. Muitos deles não foram observados em outros estudos epidemiológicos. Isso pode decorrer do nosso funcionamento do SUS, por sermos um centro de referência para casos mais complexos.

Nossa hipótese diagnóstica após avaliação clínica e exames de imagem obteve uma concordância moderada ao exame anatomopatológico. Em todos os casos que a suspeita clínica era maligna isso foi confirmado pelo anatomopatológico, mas em dois casos em que houve a suspeita de quadro benigno e dois casos de diagnostico indeterminado a biópsia identificou uma neoplasia maligna. Tendo em vista que no serviço público o acesso a recursos e a procedimentos cirúrgicos muitas vezes é escasso, é fundamental a avaliação de um profissional experiente, mas vale ressaltar a importância da complementação anatomopatológica nos casos de potencial gravidade e malignidade5,15.

As limitações deste trabalho incluem a análise retrospectiva e a casuística reduzida, devido a baixa ocorrência destas doenças. Além disso, a falta de padronização entre os estudos demográficos já publicados com relação à idade da população avaliada, tipo de atendimento oftalmológico, critérios de inclusão, torna difícil a comparação entre eles. A possibilidade de realizar um trabalho prospectivo com uma avaliação multicêntrica e por um período mais longo poderia estabelecer melhor o padrão de apresentação dos tumores óculo-orbitários infantis no Brasil.

Não houve diferença estatística na distribuição de sexos, lateralidade ou idade de início do quadro, mas houve diferença na idade do diagnóstico e no tempo de sintomas até o atendimento, que foram significativamente menores nos tumores malignos. Quanto à sintomatologia apresentada, a massa tumoral palpável, a proptose e a alteração de coloração da pele foram as mais frequentes. Tumores benignos foram os mais observados, principalmente os de origem vascular (hemangioma e má formação venolinfática). A concordância entre o diagnóstico clínico e o histopatológico foi moderada.

 

REFERÊNCIAS

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INFORMAÇÃO DOS AUTORES

» Juliana Ishii Iguma
https://orcid.org/0000-0002-8745-6582
https://lattes.cnpq.br/9614009693321638
» Camila Ishii Iguma
https://orcid.org/0000-0002-1193-9262
https://lattes.cnpq.br/0934903889666313
» José Vital Filho
https://lattes.cnpq.br/2460766132336890
» Ivana Lopes Romero Kusabara
https://orcid.org/0009-0006-8697-7112
https://lattes.cnpq.br/1229526964122072

 

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Número do projeto e instituição responsável pelo parecer do Comitê de Ética em Pesquisa: CAAE: 64717822.0.0000.5479 pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SCMSP).

Financiamento: Declaram não haver.

Recebido em: 2 de Abril de 2024.
Aceito em: 4 de Julho de 2024.


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