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Casos Clínicos Discutidos

Intervenção cirúrgica na esotropia e diplopia secundárias à orbitopatia de graves: um relato de caso

Graves' orbitopathy surgical intervention due to esotropia and diplopia: a case report

Amanda Prado; Graciela Scalco Brum; Eduardo de Almeida Rosales

DOI: 10.17545/eOftalmo/2024.0008

RESUMO

A orbitopatia de Graves decorre de uma reação autoimune órgão-específica, na qual anticorpos reagem contra células orbitais, resultando inflamação de várias estruturas, incluindo os músculos extraoculares. Diplopia e estrabismo são consequências limitantes desse processo. O presente artigo relata o caso de uma paciente feminina de 55 anos com estrabismo restritivo e diplopia, afetando seu dia a dia, após descompressão orbitária por Orbitopatia de Graves, cujo desfecho clínico-cirúrgico foi extremamente satisfatório. O respeito à cronologia das intervenções e adequada técnica cirúrgica oferecem potencial melhora na qualidade de vida do paciente através de ganho funcional e estético, reforçado pelo presente relato.

Palavras-chave: Orbitopatia de Graves; Esotropia; Estrabismo; Diplopia; Cirurgia ocular.

ABSTRACT

Graves' orbitopathy is an organ-specific autoimmune reaction in which antibodies react against orbital cells, resulting in inflammation of various structures, including the extraocular muscles. Diplopia and strabismus are the limiting consequences of this condition. This study included a case of a 55-year-old female patient with restrictive strabismus and diplopia after orbital decompression due to Graves' orbitopathy. The symptoms were affecting her daily activities. The clinical outcomes were extremely satisfactory. Furthermore, a potential improvement in the patient's quality of life can be achieved by considering the chronology of interventions and using adequate surgical techniques.

Keywords: Graves' orbitopathy; Esotropia; Strabismus; Diplopia; Ocular surgery.

INTRODUÇÃO

A doença de Graves é uma doença autoimune caracterizada pela produção de autoanticorpos contra o receptor do hormônio estimulador da tireoide (TSH-R), resultando em disfunção tireoidiana. A maioria dos pacientes com orbitopatia de Graves (OG), além das alterações do quadro periocular, apresentam quadro endocrinológico denominado hipertireoidismo, em que há um excesso de hormônios produzidos pela glândula. Entretanto, de forma mais rara, a OG também pode estar presente em pacientes eutireoideos ou com hipotireoidismo1. Tal associação sugere a presença de um antígeno em comum entre a glândula tireoide e os tecidos orbitários.

A presença do receptor de TSH nos fibroblastos orbitários justifica a clínica apresentada. Retração palpebral superior representa o sinal mais comum da doença, presente em até 90% dos pacientes, resultado de uma hiperatividade do músculo de Muller, de inervação simpática e responsável pela abertura ocular. Já a proptose está presente em até 60% dos casos, sendo a OG a principal causa de proptose bilateral e unilateral na população. Em uma pequena parcela dos casos, há neuropatia óptica, resultante da compressão do nervo óptico, secundário ao aumento dos tecidos adiposo e muscular da orbita1,2.

A OG, frequentemente, associa-se com acometimento da musculatura extraocular, na forma de um estrabismo restritivo por aumento muscular secundário a infiltração de gordura entre as fibras musculares. Os músculos mais acometidos, em ordem decrescente, são: reto inferior, reto medial, reto superior e reto lateral1,2. O estrabismo pode causar posições anômalas de cabeça e diplopia em 26% a 45% dos pacientes, prejudicando de forma expressiva o desempenho de suas atividades diárias3-5.

O respeito à cronologia das intervenções e adequada técnica cirúrgica oferecem potencial melhora na qualidade de vida do paciente através de ganho funcional e estético, conforme reforçado pela literatura e pelo presente relato.

 

RELATO DO CASO

Paciente, sexo feminino, 55 anos, tabagista em abstinência há 06 meses, com diagnóstico de OG há 07 anos, com queixa de estrabismo e diplopia após descompressão orbitária (Figura 1).

 


Figura 1. Registro pré-operatório das nove posições do olhar.

 

Apresentava, ao exame propedêutico, esotropia (ET) de 35-40 dioptrias prismáticas (DP) em olho esquerdo ao método de Krimsky. Referia também diplopia em posição primária do olhar (PPO), levo e supraversões. Tais achados justificados pela restrição muscular, em acordo com a literatura em relação a maior frequência de acometimento dos músculos reto medial e reto inferior.

A cirurgia consistiu em recuo bilateral de 6mm dos músculos retos mediais. Em consulta de seguimento de um mês pós-operatório, a paciente referiu importante satisfação estética e funcional, referindo fusão das imagens em PPO ao exame. Apresentou pequeno desvio residual de ET OE de 8 DP e hipotropia de 4 DP no cover-test prismático (Figura 2).

 


Figura 2. Registro pós-operatório das nove posições do olhar, após 4 semanas da cirurgia.

 

DISCUSSÃO

Apesar do desafio cirúrgico representado pelo estrabismo na OG, obteve-se ótimo grau de satisfação por parte da paciente com o resultado estético e resolução da diplopia na posição primária do olhar e na maioria das versões, reabilitando a paciente para retornar às suas atividades diárias3-5.

É importante reconhecer a existência de duas fases na OG, sendo a primeira a fase aguda e na sequência a fase sequelar. Na fase aguda, o tratamento é voltado para estabilização do quadro, focado no controle da inflamação. Inicia-se com os anti-inflamatórios não esteroidais em casos leves, já em casos moderados a graves: corticoide via oral, pulsoterapia, radioterapia compõem o arsenal terapêutico. Estudos recentes exploram novos anticorpos monoclonais como drogas eficazes. Na fase sequelar, é possível realizar a correção da proptose, do estrabismo e da restrição palpebral superior1,2.

Na OG, para se atingir o sucesso terapêutico almejado, é preciso ressaltar a importância do respeito à correta sequência dos procedimentos. A correção do estrabismo deve ser realizada apenas após a descompressão orbitária, quando indicada. Se desejo do paciente, após a correção do estrabismo, pode ser realizada a correção da retração palpebral superior. Nesta última etapa, é possível optar por um tratamento cirúrgico ou através do uso de toxina botulínica.

Também se mostram essenciais a estabilidade da doença clínica de base e abstinência do tabagismo pré-operatório, uma vez este último estando associado à descompensação da OG e diretamente ligado ao prognóstico e incidência de estrabismo nestes casos. O tabagismo aumenta em até 7 vezes o risco de desenvolver OG, além de estar relacionado à apresentações mais graves da doença1,2,6,7.

 

REFERÊNCIAS

1. Website. 2020–2021 BCSC Basic and Clinical Science CourseTM. Disponível em: https://www.aao.org/education/bcscsnippetdetail.aspx?id=035a3b5b-1b6f-4d1e-bf76-98898b4b46b7. Acesso em: 31/1/2024.

2. Bowling B. Kanski Oftalmologia Clínica: Uma abordagem sistêmica. Editora GEN Guanabara Koogan. 2017.

3. Jellema HM, Braaksma-Besselimk Y, Limpens J, von Arx G, Wiersinga WM, Mourits MP. Proposal of success criteria for strabismus surgery in patients with Graves' orbitopathy based on a systematic literature review. Acta Ophthalmol. 2015;93(7):601-6.

4. Jellema HM, Merckel-Timmer E, Kloos R, Saeed P, Mourits MP. Quality of life improves after strabismus surgery in patients with Graves' orbitopathy. Eur J Endocrinol. 2014;170(5):785-9.

5. Leite CA. Efeito da correção cirúrgica da exoftalmia na motilidade ocular extrínseca de pacientes com orbitopatia de Graves: comparação entre a descompressão orbitária inferomedial e a descompressão orb. (Universidade de São Paulo, 2020). doi:10.11606/T.5.2020.tde-21072021-162457.

6. Rajendram R, Bunce C, Adams GGW, Dayan CM, Rose GE. Smoking and strabismus surgery in patients with thyroid eye disease. Ophthalmology. 2011;118(12):2493-7.

7. Nunery WR, Martin RT, Heinz GW, Gavin TJ. The association of cigarette smoking with clinical subtypes of ophthalmic Graves' disease. Ophthalmic Plast Reconstr Surg. 1993;9(2):77-82.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

» Amanda Prado
http://orcid.org/0000-0002-2622-4876
lattes.cnpq.br/5810497598236197
» Graciela Scalco Brum
http://orcid.org/0009-0007-1961-5987
lattes.cnpq.br/6172173241473556
» Eduardo de Almeida Rosales
http://orcid.org/0009-0005-4174-8546
lattes.cnpq.br/7567539753502961

 

 

Financiamento: Declaram não haver.

Número do projeto e instituição responsável pelo parecer do Comitê de Ética em Pesquisa: CAAE 77562524.2.0000.5335 | Hospital Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 9 de Abril de 2024.
Aceito em: 15 de Abril de 2024.


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