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Revisão Narrativa de Literatura

Diagnóstico e tratamento da síndrome do nistagmo infantil: uma revisão de literatura

Diagnosis and treatment of infantile nystagmus syndrome: a literature review

Francisco Emanoel Albuquerque de Souza Júnior1; Ridson Guilherme Parente de Aguiar1; Juliana de Lucena Martins Ferreira2; João Crispim Moraes Lima Ribeiro2,3

DOI: 10.17545/eOftalmo/2023.0030

RESUMO

OBJETIVO: A síndrome do nistagmo infantil é um movimento constante de vai e vem dos olhos, persistente ao longo da vida, com prevalência de cerca de 0,14% na população geral. revisar a literatura sobre síndrome do nistagmo infantil, buscando abordar diagnósticos, tratamentos cirúrgicos, ópticos e farmacológicos.
MÉTODOS: Realizou-se uma revisão de literatura, elaborada com artigos das plataformas PubMed e LILACS, abrangendo os anos de 2000 a 2022. Os critérios de exclusão foram: artigos publicados antes de 2000, artigos duplicados, relatos de casos, não estar no PubMed ou LILACS e não estar relacionado ao tema da revisão.
RESULTADOS: O diagnóstico é clínico, mas exames como tomografia de coerência óptica e eletrorretinografia são necessários para determinar a etiologia. O sequenciamento genético, seja Sanger convencional (FRMD7 e GPR143) ou sequenciamento de genes de próxima geração, pode ajudar a determinar a etiologia. O uso de óculos pode reduzir o nistagmo em alguns casos. O tratamento cirúrgico visa melhorar o desempenho visual e corrigir a postura anômala da cabeça. Além disso, vários estudos relataram resultados favoráveis do uso de gabapentina e memantina em pacientes com síndrome do nistagmo infantil.
CONCLUSÕES: Embora existam tratamentos ópticos, farmacológicos e cirúrgicos para síndrome do nistagmo infantil, mais pesquisas são necessárias para ampliar os tipos de tratamentos, pois o tratamento não cura a doença de forma definitiva e completa.

Palavras-chave: Nistagmo congênito; Distúrbios da motilidade ocular; Doenças oculares.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Infantile nystagmus syndrome is an eye movement disorder characterized by involuntary rhythmic oscillations of the eyes that are persistent throughout life, with a prevalence of about 0.14% in the general population. The aim of this study was to review the literature on infantile nystagmus syndrome to address diagnoses, surgical, optical, and pharmacological treatments.
METHODS: A literature review was conducted, drawing on articles from the PubMed and LILACS platforms covering the years 2000 to 2022. The exclusion criteria were: articles published before 2000, duplicate articles, case reports that are not in PubMed or LILACS, and articles that are not related to the review topic.
RESULTS: The diagnosis is clinical, but tests such as optical coherence tomography and electroretinography are necessary to determine the etiology. Gene sequencing, either conventional Sanger (FRMD7 and GPR143) or next-generation gene sequencing, can help determine the etiology. The use of glasses can reduce nystagmus in some cases. Surgical treatment improves visual performance and correct anomalous head posture. Additionally, several studies have reported favorable results of gabapentin and memantine use in patients with infantile nystagmus syndrome.
CONCLUSIONS: Although there are optical, pharmacological, and surgical treatments for childhood nystagmus syndrome, more research is needed to expand the types of treatments because treatment does not cure the disease permanently and completely.

Keywords: Congenital nystagmus; Ocular motility disorders; Eye diseases.

INTRODUÇÃO

A síndrome do nistagmo infantil (SNI) é um distúrbio oculomotor de etiologia desconhecida, clinicamente caracterizada pela oscilação involuntária dos olhos, em que eles se afastam e voltam para o alvo, que pode surgir ao nascer ou nos primeiros anos de vida1-3. A ocorrência na população geral é de cerca de 0,14%4. Os olhos tendem a oscilar no eixo horizontal, embora os movimentos verticais e/ou de torção possam ser secundários. Como o nistagmo é bilateral e, geralmente, conjugado, a amplitude do movimento é semelhante em ambos os olhos (AO), variando entre 0,3º-15,7º, com frequência média de 2-3 Hz5,6. Além disso, a SNI pode ocorrer espontaneamente, ou ser hereditária (ligada ao X, recessiva ou dominante)7, e mutações também foram encontradas no gene FRMD77,8.

Em 1967, Cogan et al. publicou artigo dividindo esta síndrome em nistagmo sensorial e nistagmo motor, dependendo do tipo de movimento ocular (respectivamente, pendular e sacádico ou jerk), todavia, em 1974, ele escreveu esclarecendo que o tipo de movimento não seria suficiente para essa divisão, uma vez que, em algumas posições do olhar, um nistagmo classificado como sensorial, por exemplo, poderia ter componente sacádico, portanto, tornando esta classificação obsoleta9.

Na SNI, os olhos oscilam constante e predominantemente no eixo horizontal, embora o movimento de torção ou vertical possa estar presente como componente secundário. Outro sintoma manifestado é a inclinação da cabeça, uma posição viciosa que não depende da oscilação dos olhos e não parece estar ligada a nenhuma condição associada5. A acuidade visual (AV) é variável, dependendo da presença de alguma condição oftálmica associada5,10,11. O diagnóstico é predominantemente clínico, mas exames complementares podem ser úteis para esclarecer a etiologia, como tomografia de coerência óptica (OCT)12-15 e eletrorretinografia (ERG)16-21.

Diante da relevância deste tema e seu impacto na visão da população, o objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão de literatura sobre SNI, abordando métodos diagnósticos, tratamentos ópticos, farmacológicos e cirúrgicos.

 

MÉTODOS

Foi realizada uma revisão de literatura, com levantamento nas bases de dados PubMed e LILACS, abrangendo os anos de 2000 a 2022. Foram pesquisados os seguintes termos: “Nystagmus”, “Infantile nystagmus”, “Nystagmus diagnosis”, “Nystagmus treatment”, “Electroretinography” e “Optical coherence tomography”. Esses termos foram pesquisados para abordar a SNI em geral, seu diagnóstico, incluindo exames complementares, e seu manejo. Os critérios de exclusão foram publicações anteriores a 2000, artigos duplicados, relatos de caso, não estar no Pub-Med ou LILACS e não estar relacionado ao tópico da revisão.

As bases de dados PubMed e LILACS foram utilizadas por serem fontes confiáveis de indexação para busca de artigos científicos, além de possuírem um grande número de publicações científicas. Uma metanálise não foi aplicável neste manuscrito, devido à heterogeneidade dos artigos utilizados nesta revisão, contendo, por exemplo, estudos em animais e humanos, sendo, portanto, uma análise qualitativa e não quantitativa dos dados.

 

RESULTADOS

Levando em consideração a busca realizada no PubMed e LILACS, aplicando os filtros e critérios de exclusão, foram selecionados 57 artigos para a presente revisão, conforme detalhado na figura 1.

 


Figura 1. Gráfico representando as referências encontradas sobre Síndrome do Nistagmo Infantil.

 

DISCUSSÃO

1. Diagnóstico

1.1. Apresentação clínica

O nistagmo pode ser detectado e identificado sem o auxílio de registros de movimentos oculares, com a observação clínica de oscilações rítmicas e repetitivas dos olhos, com ou sem déficits sensoriais6,22. A SNI é um dos vários tipos de nistagmo que, geralmente, são observados nos primeiros meses de vida, com oscilação ocular, características clínicas bem descritas, mas não diagnósticas, sendo importante para determinar o prognóstico23.

O registro do movimento dos olhos permite determinar a forma da onda de movimento do nistagmo. É descrita em termos de amplitude, frequência e padrão geral ou forma de oscilação24,25. Além disso, a intensidade do nistagmo é calculada multiplicando sua amplitude pela frequência, representando a velocidade média dos movimentos oculares26. É importante caracterizar que a intensidade do nistagmo, na SNI, diminui com o fechamento das pálpebras e convergência, e desaparece com o sono6.

Vale salientar que, na maioria dos casos, os olhos oscilam, constante e predominantemente, no eixo horizontal (movimento uniplanar). Entretanto, o movimento de torção, ou vertical, pode estar presente como componente secundário, com a presença de movimentos conjugados que aumentam a intensidade com o olhar excêntrico e com aumento do esforço de fixação5,6.

As formas de onda podem ser jerk, pendular ou uma combinação de ambas. As formas de onda do tipo jerk são caracterizadas por movimentos de aceleração, lentos para longe da fixação, intercalados como reinício dos “saltos” da fase ativa, que trazem fóvea de volta ao objeto de consideração. As formas de onda pendulares são dominadas por movimentos oculares lentos e suaves, em direção e para longe da fixação.

É importante ressaltar que crianças que permanecem na forma de onda pendular por mais tempo tendem a ter maior comprometimento da visão do que aquelas que progridem dessa forma de onda para a jerk23. Deve-se destacar que existem 12 formas de onda de nistagmo congênito que variam de puramente pendular a jerk5,25.

Diferente dos pacientes com nistagmo adquirido, pacientes com SNI raramente apresentam a queixa de osciloscopia, algumas vezes relatando o sintoma de forma intermitente, desencadeado, por exemplo, por fadiga, estresse, esforço visual ou mesmo empolgação5,22,27-29. Os pacientes podem apresentar oscilações de cabeça, ou cabeça inclinada, uma posição viciosa que não depende da oscilação dos olhos e não parece estar ligada a nenhuma condição ocular associada, além de não ser compensatória, com base na SNI descrita, principalmente, em sua forma madura, em crianças maiores e adultos5,6,24.

A AV é variável, dependendo da presença de algumas condições oftalmológicas associadas, variando de 0,2-0,5 logMAR, com destaque para os casos de nistagmo no albinismo, que manifesta uma AV de, aproximadamente, 0,6-0,9 logMAR5,10,11.

Entre os distúrbios osculares associados, os mais frequentes são as ametropias, como hipermetropia, miopia e astigmatismo corneano30-32.

Ademais, embora a maioria dos pacientes com SNI tenha apenas nistagmo idiopático, ainda existem cerca de 40% que apresentam comorbidades associadas, como albinismo, distrofias retinianas, aniridia, distúrbios do nervo óptico, acromatopsia e catarata congênita (Tabela 1)4,24,33.

 

 

1.2. Exames complementares diagnósticos

Embora o diagnóstico de SNI seja predominantemente clínico, é necessário cautela para determinar sua etiologia. É essencial a realização de um exame oftalmológico completo, observando a presença e as características do nistagmo e realizando uma biomicroscopia para analisar a transiluminação da íris e a retina. Além disso, deve incluir avaliação da postura da cabeça, acuidade visual em diferentes ângulos de visão e refração cicloplégica, que são fundamentais para uma intervenção terapêutica eficaz24.

Exames complementares, como OCT12-15 e ERG, permitem determinar causas específicas16-21. Além disso, o sequenciamento genético, seja o convencional de Sanger (FRMD7 e GPR143), seja o sequenciamento de genes de nova geração, pode auxiliar na estimativa etiológica34.

OCT é uma exame de imagem não invasivo, capaz de detectar alterações na retina e fóvea12. Para crianças pequenas e lactentes, uma sonda foi desenvolvida para realizar o OCT de forma portátil, podendo ser realizado rapidamente, tornando-o uma ferramenta essencial para identificar a morfologia da retina na retinopatia da prematuridade, maculopatia, distrofia retiniana, neovascularização coroideia pós-traumática e amaurose congênita de Leber13-15.

O ERG é uma técnica minimamente invasiva que fornece uma avaliação direta e objetiva da função da retina16. Pode ser utilizada como ferramenta auxiliar no diagnóstico do nistagmo associado a doenças retinianas, tais como amaurose congênita de Leber, distrofia de cones, acromatopsia, cegueira noturna estacionária congênita19, além do spasmus nutans, um distúrbio adquirido idiopático raro da infância que compõe uma tríade clínica: nistagmo pendular assimétrico, torcicolo e inclinação da cabeça para cima e para baixo17-18. O resultado do ERG tende a ser normal nos pacientes com nistagmo infantil de etiologia idiopática; entretanto, os portadores de mutação no FRMD7 podem apresentar ERG compatível com hipoplasia foveal, e os albinos podem manifestar alteração no número de células ganglionares19-21.

A sensibilidade do ERG e do potencial evocado visual (PEV) não foram amplamente estudadas para a classificação do nistagmo congênito; entretanto, a presença de desvio de fibras por meio do PEV tem sido relatada no albinismo ocular, hipoplasia do nervo óptico e glioma quiasmático19.

É possível realizar outros exames, como ressonância magnética, campimetria visual e angiofluoresceínografia, motivados por achados clínicos que indicam sua realização, seja história familiar positiva para distúrbio associado ao nistagmo, transiluminação da íris, anormalidade do nervo óptico, pigmentação retiniana anormal ou sinais neurológicos sistêmicos35.

Importante mencionar que as áreas corticais desempenham um papel importante no controle das funções sacádicas e de perseguição; com o envolvimento do tronco encefálico, núcleos vestibulares, cerebelo e córtex visual em pacientes com nistagmo, são esperadas lesões infratentoriais em até 40% dos pacientes com esclerose múltipla36. A ressonância magnética do cérebro é útil para o nistagmo do tipo spasmus nutans, pois tem sido associado a tumores diencefálicos e do nervo óptico; é também o método de imagem de escolha para a investigação de pacientes com nistagmo descendente, sendo, aproximadamente, um quarto dos casos devido a uma anormalidade potencialmente tratável35,37.

1.3. Estudo genético

Há evidências de sete lócus do gene NYS: Xq26.2 [NYS1 (MIM 31 0700)], 6p12 [NYS2 (MIM)], 7p11.2 [NYS3 (MIM 60 8345)], 13q31-q33 [NYS4 (MIM 19 3003)], Xp11.4 [NYS5 (ME 30 0589)], Xp22.3 [NYS6 (ME 30 0814)] e 1q31-q32.238. A causa mais frequente seria a ligada ao X, devido à mutação do gene FRMD7, localizado no lócus NYS1 (Xq26.2)20,39, além da herança autossômica dominante e autossômica recessiva7.

2. Tratamento

2.1. Óptico

Inicialmente, deve-se realizar a correção da ametropia, pois mais da metade das crianças com SNI apresenta erros refrativos, como o astigmatismo, que pode manifestar-se nos primeiros dez anos40-42. Tanto a prevalência, quanto a magnitude do astigmatismo aumentam nos primeiros oito anos de crianças com SNI32.

Nos pacientes em que o nistagmo é reduzido quando os olhos convergem, prismas podem ser utilizados para induzir a convergência. Uma adequada convergência pode ser produzida colocando-se um par de prismas de sete dioptrias prismáticas (7Δ), de base temporal, com acréscimo de lente de menos uma dioptria esférica (-1,00 esf), para compensar a acomodação induzida. Se o paciente responder aos prismas, ele também responderá ao retrocesso de ambos os músculos retos mediais43.

O benefício do uso de prismas ópticos tem sido observado em pacientes com visão binocular; entretanto, naqueles com SNI que possuem fixação alternada (ou seja, aqueles que apresentam desvio ocular e não apresentam visão binocular) não se beneficiarão desse auxílio óptico44.

O tratamento óptico, às vezes, é suficiente para corrigir a posição anômala da cabeça. Alguns auto-res, como Hertle, defendiam a prescrição da correção cicloplégica completa e da anisometropia nos pacientes com nistagmo e nos menores de dez anos, além de Reinecke, que concordava com o uso da correção completa da hipermetropia em crianças com nistagmo45.

2.2. Farmacológico

Estudos relataram bons resultados no uso de memantina e gabapentina no tratamento da SNI46-48. A memantina pode ser iniciada em doses baixas, como 10 mg diários por vários dias, e aumentando gradualmente a dosagem (por exemplo, 20 mg diários por vários dias, 30 mg diários por vários dias e depois 40 mg por dia); e os efeitos colaterais são, geralmente, leves e toleráveis (por exemplo, cefaleia, fadiga e tontura). Em relação à gabapentina, podem ser necessárias doses mais altas para obter uma resposta benéfica (por exemplo, até 2.400 mg por dia); e os efeitos colaterais também costumam ser leves e toleráveis, como tontura, ataxia e fadiga44.

A acetazolamida pode ser eficaz, na dosagem de 250 a 1000 mg, duas vezes por dia; entretanto, essa droga possui muitos efeitos colaterais pouco toleráveis, incluindo parestesias, letargia, cálculo renal e zumbido, além de efeitos colaterais raros, porém graves, que são agranulocitose e anemia aplástica44. Um estudo concluiu que o tratamento medicamentoso do nistagmo com brinzolamida tópica foi considerado eficaz na amostra de 23 pacientes, mas ainda são necessários mais estudos33. Outro estudo analisou o efeito do baclofeno em oito pacientes, em que foi concluído que esse efeito pode ser eficaz em um grupo seleto de pacientes com nistagmo alternado periódico congênito, um tipo de SNI. Desse modo, poderia ser viável uma tentativa de tratamento antes de se considerar a intervenção cirúrgica nessa condição49.

O tratamento com toxina botulínica, uma importante neurotoxina utilizada em diversos procedimentos médicos, tem sido utilizada com êxito em alguns casos de nistagmo associado a estrabismo50.

2.3. Cirúrgico

O tratamento cirúrgico da SNI é realizado há décadas, tendo indicações para corrigir a posição anômala da cabeça e/ou melhorar a AV, sendo oferecido para minimizar o nistagmo com convergência em pacientes com estrabismo associado51-53. Geralmente, são realizadas quando a criança tem entre 7 e 8 anos de idade54. Nesta revisão, serão abordados o procedimento de Anderson-kestenbaum, o procedimento de divergência de Cüppers e o procedimento de tenotomia e a reinserção muscular. Todavia, é importante frisar que, apesar da variedade de intervenções cirúrgicas disponíveis, não há consenso claro e não há diretrizes clínicas aceitas sobre a eficácia relativa e segurança, não existindo suficientes, na literatura, para determinar se alguns procedimentos são melhores que outros para a SNI55.

No início da década de 1950, Anderson e Kestenbaum publicaram, independentemente, suas hipóteses sobre a atenuação da posição anômala da cabeça na SNI. Anderson defendia a ideia de que havia necessidade de retrocesso dos músculos retos agonistas (músculos parelhas), cuja ação seria na direção da posição viciosa da cabeça. No caso de bloqueio na mirada para a direita, far-se-ia o retrocesso do reto lateral do olho que abduz e do reto medial do que aduz. Kestenbaum defendia a ressecção e o retrocesso dos quatro músculos retos horizontais, de 4-10mm, com a intenção de aumentar a permanência da imagem na fóvea45,53,54. Desse modo, esse procedimento envolveria o deslocamento da posição nula (uma posição única em que o nistagmo seria mínimo e a AV seria melhorada) para posição primária, por meio do movimento conjugado dos músculos extraoculares, aliviando, assim, a posição anômala da cabeça53. Inicialmente, essas cirurgias eram apenas para correção do torcicolo. Após essa correção, aos pacientes com grandes erros de refração, seria ofertado o benefício adicional de poder direcionar o olhar através dos centros ópticos de seus óculos e, assim, conquistarem uma melhoria na AV45.

Nas décadas seguintes, as técnicas foram aperfeiçoadas por pesquisadores, como Parks, Calhoun, Harley e Nelson, entre outros, e suas variações foram utilizadas para corrigir a posição anômala da cabeça, com a correção de um ponto de bloqueio excêntrico em pacientes com SNI, ampliação da zona de bloqueio e redução da intensidade do nistagmo fora dessa zona52-54. Parks modificou a técnica de Kestenbaum, realizando a técnica 5-6-7-8 (totalizando 13 mm em cada olho), em que um retrocesso de 7mm é realizado no músculo reto lateral, uma ressecção de 6 mm no reto medial do olho em abdução, um retrocesso de 5mm no outro reto medial e, finalmente, uma ressecção de 8mm no reto lateral do olho em adução. Entretanto, essa técnica apresentou altas taxas de recorrência da posição anômala da cabeça, com o passar do tempo, assim como nos procedimentos de Calhoun e Harley. O procedimento de Nelson apresentava o objetivo de reduzir a necessidade de outra cirurgia no futuro, realizando 40% de aumento em ressecção (7; 8,4; 9,8; 11,2mm), para giros da cabeça até 30º, e de 60% (8; 9,6; 11,2; 12,8mm), para giros da cabeça de 45º ou mais53,54.

No início da década de 1970, Cüppers introduziu um procedimento de divergência artificial, que colocava os olhos do paciente em uma posição que convergia constantemente e, portanto, diminuía a amplitude e a gravidade do nistagmo na posição primária do olho, resultando em melhora da AV44,52,53. Esse procedimento consistia em retrocesso dos músculos retos mediais para divergir os olhos em pacientes com nistagmo suprimido pela convergência53. Consequentemente, seria necessário um esforço de convergência para uma visão mais ampla, e o nistagmo seria suprimido44. No entanto, para que a operação de Cüppers fosse bem-sucedida, o paciente deveria apresentar melhora do nistagmo durante a convergência, além de ter fusão binocular e estereopsia, critérios que poucos portadores de nistagmo têm. Se no procedimento de Cüppers não fosse realizada avaliação adequada no pré-operatório, poderia haver hipercorreção e exotropia no pós-operatório, necessitando de nova cirurgia53.

O procedimento da tenotomia de quatro músculos envolveria o isolamento de cada músculo reto horizontal (dois retos mediais e dois retos laterais), com fio de sutura absorvível de ácido poliglicólico, colocado em cada músculo, imediatamente posterior às suas inserções, depois passando para a desinserção de cada músculo e reinserção imediata no mesmo local das inserções. Inicialmente, tal procedimento foi realizado em animais, com resultados favoráveis e sustentando a hipótese de que a tenotomia e a reinserção dos músculos extrínsecos oculares horizontais poderiam melhorar o nistagmo em humanos. O procedimento de tenotomia e reinserção poderia ser utilizado para ampliar a zona de bloqueio da SNI e reduzir a intensidade do nistagmo44. Em 2003, foi publicado o primeiro teste da tenotomia de quatro músculos, em 10 adultos com SNI, e sem história prévia de cirurgia oftalmológica, em que nove apresentaram melhora significativa do nistagmo e das funções visuais subjetivas, apenas com este procedimento cirúrgico1,53. Em 2004, foi publicado um estudo com cinco crianças com SNI, também sem história prévia de cirurgia, contribuindo para a ideia de que a tenotomia dos quatro músculos seria eficaz para o tratamento da SNI; porém, devido às formas de onda jerk não apresentarem alterações, foi levantada a hipótese de esta técnica ser mais resistente para tratar SNI2,53,56. Além desses estudos, outros mais mostraram resultados positivos56,57.

Concluindo, foi possível realizar uma análise qualitativa, evidenciando que o diagnóstico da SNI seria, principalmente, clínico; entretanto, exames complementares poderiam fornecer orientações, por exemplo, sobre o prognóstico e como o tratamento poderia ser direcionado. Também, foi possível observar que, embora existam tratamentos ópticos, farmacológicos e cirúrgicos para SNI, ainda são necessárias mais pesquisas para ampliar as opções terapêuticas, pois, nem sempre, o tratamento seria capaz de curar completamente o nistagmo.

 

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INFORMAÇÃO DOS AUTORES

 


»Francisco Emanoel Albuquerque de Souza Júnior
https://orcid.org/0000-0002-2239-4886
http://lattes.cnpq.br/3958184526958164

 

 

 

 

 

 

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 4 de Junho de 2022.
Aceito em: 6 de Maio de 2023.


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