Artigo

Acesso aberto Revisado por pares

0

Visualização

 


Casos Clínicos Discutidos

Intoxicação por metanol: documentação das alterações do disco óptico

Methanol poisoning: documentation of optic disc changes

João Victor Fernandes Fabricio; Lucas de Oliveira Marques; Ana Laura de Araújo Moura

DOI: 10.17545/eOftalmo/2023.0024

RESUMO

A intoxicação por metanol é considerada uma condição rara e pode ser consequente à ingestão, inalação e contato dérmico. Indivíduos em risco abrangem crianças pequenas, alcoólatras e tentativa de suicídio, sendo a maioria dos casos relacionado ao etanol contaminado e à destilação imprópria. Várias manifestações sistêmicas podem ocorrer, desde danos visuais irreversíveis até a morte. Relatou-se neste estudo o caso de um paciente com neuropatia óptica tóxica secundária à ingestão de metanol de posto combustível.

Palavras-chave: Neuropatia óptica tóxica; Metanol; Doenças do nervo óptico.

ABSTRACT

Methanol poisoning is considered as a rare condition and can occur as a consequence of ingestion, inhalation, and dermal contact. Individuals at risk include young children, alcoholics, and those with suicide attempts, with most cases related to contaminated ethanol and improper distillation. Various systemic manifestations can occur, from irreversible visual damage to death. This study reported the case of a patient with toxic optic neuropathy secondary to the ingestion of methanol from a gas station.

Keywords: Toxic optic neuropathy; Methanol; Optic nerve Diseases.

INTRODUÇÃO

O metanol é um líquido claro, inflamável e volátil, presente em vários produtos comerciais e de consumo, como tintas, colas, anticongelantes para radiadores e bebidas alcoólicas1. Os principais incidentes ocorrem devido à contaminação do etanol com metanol e à destilação imprópria1. A ingestão, inalação e o contato dérmico podem ser a via de entrada dessa substância no organismo que após metabolização gera o ácido fórmico - principal substância relacionado à toxicidade sistêmica desse álcool3. Entre as manifestações clínicas podem ocorrer confusão, ataxia, deficiência visual, acidose metabólica, lesões cerebrais e morte2,3. A toxicidade ocular é agravada pela acidose metabólica e a atrofia óptica consequente parece ser resultante da desmielinização progressiva das fibras nervosas2.

 

RELATO DO CASO

Paciente 28 anos, sexo masculino, admitido no pronto socorro por rebaixamento sensorial. Na admissão foi referido o uso de crack e consumo de aproximadamente 500ml de etanol de posto de combustível. Após 48 horas, apresentou leve melhora do quadro sensorial e foi encaminhado para avaliação oftalmológica para avaliar perda da acuidade visual bilateral. O exame oftalmológico evidenciava ausência de percepção luminosa em ambos os olhos (AO), pupilas midriáticas, reflexo fotomotor direto e consensual ausentes em AO. À fundoscopia, apresentava disco óptico róseo com margens bem delimitadas, escavação de aproximadamente 0,2 e presença de hemorragia intrarretiniana em região nasal superior bilateral (Figura 1). Nesta ocasião foram prescritas duas doses semanais de complexo B 5.000mcg via intramuscular. Na reavaliação um mês após, apresentava acuidade visual de movimento de mãos em AO, pupilas isocóricas, reflexo fotomotor direto e consensual 4+/4+ em AO, sem defeito pupilar aferente relativo. No exame de fundoscopia, observava-se uma palidez difusa do nervo óptico e escavação de 0.9 bilateral, com defeito generalizado na camada de fibras nervosas (Figura 2). Nesse contexto, os achados oftalmológicos junto à anamnese são sugestivos de neuropatia óptica tóxica secundária à ingestão de etanol contaminado com metanol.

 


Figura 1. Retinografia de ambos os olhos na admissão oftalmológica.

 

 


Figura 2. Retinografia de ambos os olhos um mês após quadro de intoxicação.

 

DISCUSSÃO

O metanol é rapidamente absorvido após ingestão, sendo oxidado no fígado em formaldeído e ácido fórmico2. O acúmulo desta substância causa acidose metabólica e leva a inibição citocromo oxidase, interferindo na produção de adenosina trifosfato (ATP) pela mitocôndria4. A hipóxia tecidual gerada induz a morte de células axonais, impactando nas células ganglionares da retina que são afetadas pela degeneração de seus axônios e da mielina, seletivamente na região retrobulbar4,5. Além disso, foi mostrado que o humor vítreo carreia altas concentrações de metanol após a intoxicação, sendo o fluido corporal com maior concentração dessa substância5. Consequentemente, é gerado grandes quantidades de ácido fórmico que causam lesão direta à retina e nervo óptico5.

A intoxicação pelo metanol pode ser fatal e levar a cegueira2. Fotofobia, visão turva e dor ocular à movimentação podem ser os primeiros sintomas2-4. No quadro agudo, a fundoscopia pode mostrar hiperemia e edema de disco óptico associado à dilatação de veias retinianas4. Defeitos de campo visual como escotomas centrais e cecocentrais podem estar presentes5. A fase aguda pode resultar em completa remissão do quadro ou evoluir para atrofia óptica com aumento da escavação, fazendo parte dos diagnósticos diferenciais das neuropatias ópticas com disco escavado6,7. Além disso, pela perda importante da acuidade visual bilateralmente, a neuromielite óptica pode ser considerada um importante diagnóstico diferencial. No entanto, nessa condição, a alteração mais comum do nervo óptico é a palidez do disco sem aumento significativo da escavação8,9.

 

REFERÊNCIAS

1. Ashurst JV, Nappe TM. Methanol Toxicity. [Updated 2022 Jun 21]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482121

2. Kraut JA, Kurtz I. Toxic alcohol ingestions: clinical features, diagnosis, and management. Clin J Am Soc Nephrol. 2008; 3(1):208-25.

3. Souza FGT, Nogueira VVE, Maynart LI, Oliveira RL, Mendonça TCS, Oliveira PD. Optic neuropathy toxic after methanol inhalation. Rev Bras Oftalmol. 2018;77(1):47-9.

4. Işcan Y, Coşkun Ç, Öner V, Türkçü FM, Taş M, Alakuş MF. Bilateral total optic atrophy due to transdermal methanol intoxication. Middle East Afr J Ophthalmol. 2013;20(1):92-4.

5. Zhao XJ, Lu L, Li M, Yang H. Ophthalmic findings in two cases of methanol optic neuropathy with relapsed vision disturbance. Int J Ophthalmol. 2015;8(2):427-9.

6. Piette SD, Sergott RC. Pathological optic-disc cupping. Curr Opin Ophthalmol. 2006 Feb;17(1):1-6.

7. Sharma M, Volpe NJ, Dreyer EB. Methanol-Induced Optic Nerve Cupping. Arch Ophthalmol. 1999;117(2):286.

8. Radius RL, Maumenee AE. Optic atrophy and glaucomatous cupping. Am J Ophthalmol 1978;85(2):145–53.

9. Hazin R, Khan F, Bhatti MT. Neuromyelitis optica: current concepts and prospects for future management. Curr Opin Ophthalmol. 2009;20(6):434-9.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

 

 

 

 

 

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 7 de Dezembro de 2022.
Aceito em: 9 de Abril de 2023.


© 2024 Todos os Direitos Reservados