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Casos Clínicos Discutidos

Maculopatia por uso prolongado de cloroquina: avaliação funcional realizada pelo exame de microperimetria - relato de caso

Maculopathy due to prolonged use of chloroquine: functional evaluation performed by microperimetry-a case report

Letícia Aranha Williams de Castro; Danilo Lima Borrelli; Amanda Nogueira Cury

DOI: 10.17545/eOftalmo/2023.0021

RESUMO

Maculopatia por uso prolongado de cloroquina é um dos efeitos colaterais oftalmológicos mais importantes que afeta qualidade de vida do paciente. é de extrema relevância o acompanhamento periódico, tanto com consultas de rotina, quanto com exames complementares dos pacientes em uso desta droga e seus similares, para diagnosticar precocemente os efeitos colaterais. este presente caso mostra a importância de novos exames para o analise funcional deste acometimento.

Palavras-chave: Cloroquina; Maculopatia; Microperimetria; Tomografia de coerência óptica.

ABSTRACT

Maculopathy from prolonged use of chloroquine is one of the most important ophthalmologic adverse effects that act on the patient’s quality of life. The periodic monitoring of patients using chloroquine and similar drugs is extremely important with routine consultations and complementary exams, to diagnose adverse effects early. The present case shows the importance of further examinations for functional analysis of this affection.

Keywords: Chloroquine; Maculopathy; Microperimetry; Optical coherence tomography.

INTRODUÇÃO

A cloroquina e sua variante hidroxicloroquina são medicamentos amplamente utilizados nos dias atuais para o tratamento de doenças prevalentes. de início essas drogas foram utilizadas principalmente como antimalárico, porém com o avanço dos estudos1 outras doenças também foram incluídas para o uso dessas drogas como tratamento, como atrite reumatoide, lúpus eritematoso, malária, porfiria cutânea, urticária solar e outras patologias2.

Os principais efeitos colaterais da cloroquina e hidroxicloroquina, são relacionados ao trato gastrointestinal, sistema hematológico, neurológico, neuromuscular, dermatológico, cardiológico e oftalmológico3. os efeitos colaterais oftalmológicos de maior relevância causados pelo uso dessas drogas são: depósito corneano e rarefação do epitélio pigmentado da retina (epr) na região foveal, que pode evoluir para uma atrofia avançada envolvendo a retina externa, em típico aspecto de maculopatia em alvo ou, termo usado em inglês, de bull´s eye1,3,4 sendo este, mais raro. outros efeitos colaterais relatados na literatura são: córnea verticilatta; catarata subcapsular anterior e posterior; neurite óptica; uveíte anterior, entre outros1.

Nos últimos anos, a incidência da toxicidade retiniana, que essas drogas em uso prolongado causam, se encontra menor devido à redução na dosagem da droga utilizada associada a períodos mais curtos de tratamento, porém não deixa de ser importante pelo comprometimento grave e irreversível que podem causar à visão2. as primeiras descrições de retinopatia foram feitas por hobbs et al., em 1959,4 e, desde então, centenas de casos foram descritos principalmente associados ao uso de doses diárias altas, entre 500 e 750mg/d de cloroquina e 800 a 1.600mg/d de hidroxicloroquina5. a maculopatia causada pela droga se da pelo deposito da mesma no corpo ciliar e no epitélio pigmentar da retina por conta da afinidade seletiva pela melanina presente nessas camadas retinianas, podendo permanecer por anos mesmo após a interrupção do medicamento3.

O relato do caso presente nesse trabalho tem como objetivo demonstrar que, apesar de não serem prevalentes, a diminuição da acuidade visual por conta da toxicidade retiniana causada pela cloroquina é de grande relevância na qualidade de vida do paciente, e a necessidade de acompanhamento com exames complementares e novas tecnologias, como o exame de microperimetria, é benéfico em todos os aspectos para os pacientes em uso prolongado da droga.

 

RELATO DE CASO

R. B. O., sexo feminino, 68 anos, natural de itapicuru na bahia, procedente de santos, veio em atendimento oftalmológico no instituto de olhos dr. eduardo paulino (ioep) com queixa de baixa de acuidade visual em ambos os olhos, mas não sabia relatar período de início. de antecedente pessoal relata diagnóstico de artrite reumatoide há 10 anos, fez uso de cloroquina 250mg/dia por 8 anos, no atual presente não faz mais uso do medicamento, não apresenta antecedentes oftalmológicos e familiares pertinentes. paciente não fazia acompanhamento oftalmológico durante o tratamento, trocou de medicação por escolha do reumatologista para methotrexate 10 mg/dia e prednisona 5mg/dia.

Ao exame oftalmológico, apresentou acuidade visual com correção de 20/300 em olho direito com refração de +1,00 -1,00 à 120°; e em olho esquerdo apresentou 20/100 com refração de +0,50 -0,50 à 30º. a biomicroscopia estava sem alterações nos dois olhos e as pressões intraoculares mediam 15 mmhg no od e 13 mmhg oe. a fundoscopia (figura 1) em ambos os olhos mostrava uma maculopatia com a fovéola hiperpigmentada circundada por uma zona em forma de anel de hipopigmentação, configurando o aspecto de maculopatia em alvo. os nervos ópticos estavam corados e sem alterações, vasos com morfologia e trajetos preservados.

 


figura 1. retinografia de ambos os olhos.

 

A microperimetria (figura 2) realizada com mp3 nidek em olho esquerdo com parâmetros de fixação através de uma única cruz, estímulo de goldman iii (branco, 200ms) e estratégica 4-2 fast, apresentou uma fixação estável e perda total da sensibilidade macular, em forma de escotoma central, uma perda parcial de sensibilidade perimacular, com média de 19 db e sensibilidade periférica boa com média de 28 db. em olho direito, com parâmetros de fixação através de uma única cruz, estímulo de goldman iii (branco, 200ms) e estratégica 4-2 fast, detectou uma fixação relativamente instável, com perda total da sensibilidade macular em forma de escotoma central, uma perda parcial de sensibilidade perimacular, com média de 18 db e sensibilidade periférica boa com média de 27 db.

 


figura 2. microperimetria de ambos os olhos.

 

Na tomografia de coerência óptica (figura 3), apresentou em ambos os olhos uma interface vitreoretiniana com área de dvp, depressão foveal aumenta de forma patológica, retina neurossensorial com perda da integridade e paralelismo das camadas da retina interna e externa, e atrofia das camadas externas da retina associada, complexo erp-bruch com áreas de falhas e depósitos; coroide com espessura, refletividade e camadas vasculares dentro dos padrões normais.

 


figura 3. tomografia de coerência óptica macular de ambos os olhos.

 

DISCUSSÃO

No brasil, atualmente, não se encontra uma padronização para o acompanhamento oftalmológico de pacientes em uso cloroquina e hidroxicloroquina. para o rastreamento da retinopatia pela toxicidade da cloroquina é orientado pela academia americana de oftalmologia que pacientes de baixo risco (dose menor que 3 mg/kg e idade menor que 60 anos) devem realizar um exame oftalmológico completo regularmente após 5 anos do início do tratamento. os pacientes de alto risco devem realizar screening anualmente, com solicitação de exames oftalmológicos como retinografia, autofluorescência de fundo, campimetria visual 10:2 ww, eletroretinografia e tomografia computadorizada de mácula6,7. não se recomenda mais o uso da tela de amsler para diagnosticar as alterações maculares. deve-se descontinuar o uso ao observar qualquer sinal de toxicidade: como escotoma central, afinamento da linha de fotorreceptores e da zona elipsoide perifoveal e hipoautofluorescência em anel7.

Dentre os exames disponíveis atualmente, o eletrorretinograma multifocal, um teste objetivo que mede impulsos elétricos através da retina, é considerado o exame com melhor sensibilidade para detectar alterações parafoveais ou extramaculares na retinopatia precoce. porém, devido ao seu alto custo, difícil acessibilidade e a necessidade de profissionais experientes para executá-lo e interpretá-lo, é recomendado quando o campo visual e a tomografia computadorizada não definem a presença de maculopatia8. em contrapartida, a microperimetria é um teste de campo visual no qual estímulos luminosos são reproduzidos em pontos específicos da retina de um indivíduo que, apesar de ser um exame subjetivo, é de fácil execução pelo profissional e de fácil entendimento do paciente para executá-lo1. atualmente é discutido a capacidade da microperimetria de diagnosticar o início de uma perda funcional, ainda assintomática, mais precocemente que os outros exames, sugerindo uma maior sensibilidade. no entanto são necessários mais estudos para reforçar essa tese e acrescentar o exame como rotina de acompanhamento desses pacientes.

O diagnóstico precoce da toxicidade retiniana por uso de cloroquina e hidroxicloroquina é essencial para um bom prognostico visual. os sinais precoces da retinopatia são descritos por um escotoma central demostrado na perimetria, sem alterações oftalmológicas7. no presente momento, não há tratamento para atrofia macular causada pelo uso da droga, porém existe a hipótese de diminuir a progressão da perda da visão e da evolução do escotoma central com a suspensão do uso de medicamento quando o paciente ainda não apresenta lesões maculares e retinianas permanentes9,10.

Por conta da falta de acompanhamento anterior da paciente, não podemos relatar a progressão da perda visual após a suspensão da cloroquina, orientando apenas ao reumatologista a não utilização novamente da droga e a paciente a retornar anualmente para novos exames e avaliação de eventuais mudanças no padrão.

 

REFERÊNCIAS

1. Madeira LS, Ribeiro ALMG, Fernandes MP, Lima DJMM. Efeito adverso oftalmológico pelo uso de hidroxicloroquina e seus análogos: uma revisão bibliográfica. RCFMC. 2020;15(2):87-95.

2. Silva NA, Silva FA. Maculopatía Tóxica por cloroquina. Rev Bras Oftalmol. 2009;68(3):161-7.

3. Lacava AC. Complicações oculares da terapêutica com a cloroquina e derivados. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(4):384-9.

4. Figueiredo BQ, Cancela BR, Rodrigues AEL, Falcão ALS, Prado DMM, Rocha D, et al. Analysis of possible intoxicaions resulting from the indiscriminate use of ivermectin and hydroxychloroquine during the COVID-19. Research, Society and Development. 2022;11(3):e14511326441.

5. Ponchet MRNC, Vilela MAC, Sinahara KKS. Avaliação dos efeitos adversos desencadeados pelo uso de difosfato de cloroquina, com ênfase na retinotoxicidade, em 350 doentes com lúpus eritematoso. An Bras Dermatol. 2005;80(suppl 3):S275-S282.

6. Meméndez-Hernández YC, Carmenate-Cruz E, Ribot-Ruiz LA, Cutiño-Hernández K, Pérez-Gutiérrez Y. Maculopatía en ojo de buey por uso de cloroquina. Presentación de un caso. Rev Medica Electron. 2021;43(2):3257-69.

7. Edris NA, Rizkalla MM, Khafagy MM, Esmat SM. Screening for preclinical chloroquine maculopathy using microperimetry and spectral domain optical coherence tomography. Delta J Ophthalmol. 2022;23(2):112-118.

8. Braga JPR. Análise da ocorrência de maculopatia induzida por antimaláricos em pacientes reumáticos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto: fatores de risco, investigação e elaboração de um protocolo de condutas entre as especialidades de oftalmologia e reumatologia. Diss. Universidade de São Paulo.

9. Franca MV, Silva T, Pinto R, Ornelas C, Rosa PC, Castanheira- Dinis A. Microperimetria no Diagnóstico Precoce da Toxicidade por Hidroxicloroquina. Oftalmologia. 2010;34(4):529-536.

10. Jorge AM, Melles RB, Zhang y, Lu N, Rai SK, Young LH, et al. Hydroxychloroquine prescription trends and predictors for excess dosing per recent ophthalmology guidelines. Arthritis Res Ther. 2018;20(1):133.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

 

 

 

 

 

Financiamento: declaram não haver.
Conflitos de Interesse: declaram não haver.

Recebido em: 6 de Dezembro de 2022.
Aceito em: 15 de Março de 2023.


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