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Casos Clínicos Discutidos

Enfisema orbital secundário à fratura espontânea da lâmina papirácea do osso etmoide: relato de caso

Orbital emphysema secondary to spontaneous fracture of the papyraceous lamina of the ethmoid bone: case report

Juliana Angélica Estevão de Oliveira1; Alice Novato Saraiva Silva1; Mariluze Maria Souza Sardinha2

DOI: 10.17545/eOftalmo/2022.0017

RESUMO

O enfisema orbital (EO) é uma condição que envolve o acúmulo de ar/gás na órbita. Está frequentemente associado à fratura por explosão de um osso orbital devido à sua comunicação com os seios paranasais. Este artigo relata um caso raro de enfisema orbital na ausência de trauma, decorrente de uma forte assoada de nariz. Anamnese detalhada e exame físico cuidadoso, acompanhados de estudos de imagem, são essenciais para esclarecer o diagnóstico e o mecanismo fisiopatológico. Na maioria dos casos, o enfisema orbital é uma condição benigna e resolve-se espontaneamente dentro de 2 semanas. Contudo, pode evoluir com sinais de síndrome compartimental orbitária, tais como defeito pupilar aferente reflexivo, pressão intraocular (PIO) elevada, proptose significativa e comprometimento visual. Esta síndrome é uma emergência oftalmológica que requer intervenção imediata através de punção de ar ou cantotomia orbital lateral e cantólise para evitar complicações graves.

Palavras-chave: Enfisema; Órbita; Osso etmoide; Fraturas orbitais; Fraturas espontâneas

ABSTRACT

Orbital emphysema is a condition that involves accumulation of air/gas in the orbit. It is often associated with blowout fracture of an orbital bone due to its communication with paranasal sinuses. This article reports a rare case of orbital emphysema in the absence of trauma, following forceful nose-blowing. A detailed anamnesis and a careful physical examination, accompanied by imaging studies, are essential to clarify diagnosis and pathophysiological mechanism. In most cases, orbital emphysema is a benign condition and resolves spontaneously within 2 weeks. However, it can evolve with signs of orbital compartment syndrome such as reflective afferent pupillary defect, elevated PIO, significant proptosis and visual compromise. This syndrome is an ophthalmologic emergency that requires immediate management through air puncture or lateral orbital canthotomy and cantholysis to avoid serious complications.

Keywords: Emphysema; Orbit; Ethmoid bone; Orbital fractures; Spontaneous fractures.

INTRODUÇÃO

A enfisema orbital (EO) é uma condição rara que envolve o acúmulo de ar/gás dentro da órbita1,2. Está frequentemente associado à fratura por explosão de um osso orbital, principalmente da parede medial, por trauma contuso devido à sua comunicação com os seios paranasais2,3. Embora a enfisema seja extremamente rara na ausência de trauma, a EO não traumática devido à tosse, espirros, assoada de nariz, como complicação de procedimentos oftalmológicos, otorrinolaringológicos e dentários e infecção por microrganismos produtores de gases tem sido descrita na literatura1,2. Este artigo relata um caso de EO decorrente de uma fratura espontânea da lâmina papirácea do osso etmoide. Independentemente de uma história de trauma, o reconhecimento precoce da EO é crucial para prevenir possíveis complicações que ameaçam à visão relacionadas com a síndrome compartimental orbitária2,3.

 

RELATÓRIO DO CASO

Uma paciente saudável, de 23 anos, foi admitida no departamento de emergência com um súbito e indolor inchaço periorbital esquerdo após uma forte assoada de nariz. O exame oftalmológico revelou pálpebra superior esquerda inchada com crepitação à palpação, ptose mecânica, hiperemia conjuntival ligeira, hipotropia e limitação da supradução no olho esquerdo (OS) (Figura 1). As pupilas estavam iguais e reativas à luz, a acuidade visual (AV) era 20/20 em ambos os olhos (OU), a pressão intraocular (PIO) era 10mmHg em OU e a fundoscopia não mostrou quaisquer achados anormais em OU. A tomografia computorizada orbital (TC) revelou enfisema orbital e subcutâneo e fratura da lâmina papirácea do osso etmoide esquerdo (Figura 2). Como não havia sinais de síndrome compartimental orbitária, a paciente foi tratada de forma conservadora. Após 7 dias, a paciente tornou-se assintomático e evoluiu com completa regressão da condição (Figura 3).

 


Figura 1. Primeiro exame.

 

 


Figura 2. TC orbital.

 

 


Figura 3. Acompanhamento de uma semana.

 

DISCUSSÃO

A EO ocorre como uma complicação de fraturas orbitais envolvendo qualquer um dos grupos dos seios paranasais4 e é uma condição rara na ausência de trauma2. Este caso descreve uma condição original espontânea provocada por uma assoada de nariz vigorosa. Condições concomitantes, tais como lacerações da mucosa e pressão intranasal aguda elevada causam um defeito na lâmina papiracéa, criando uma passagem de ar do seio etmoidal para a cavidade orbital como também para o tecido subcutâneo4-6. A gordura orbital cria um sistema de válvula esférica ao obstruir a saída de ar da órbita1,4. Esta condição é geralmente observada em pessoas idosas, uma vez que os ossos estão mais predispostos à fratura2. A nossa paciente era jovem e saudável, o que pode representar um desafio de diagnóstico. O diagnóstico diferencial mais importante da EO em casos não traumáticos é a celulite orbital, que pode conter quemose, perda visual, dor no movimento ocular e febre, além de inchaço unilateral dos olhos1,7.

Anamnese detalhada e exame físico são essenciais em pacientes com aumento agudo do volume orbital8, incluindo inspeção e palpação da região afetada6. A presença de crepitações subcutâneas das pálpebras e de bolhas de ar subconjuntival são sinais clínicos significativos para o diagnóstico6. Além disso, a avaliação da motilidade ocular, acuidade visual, reflexo da luz, pressão intraocular e fundoscopia são obrigatórios para avaliar se uma intervenção urgente é necessária3. As manifestações clínicas podem variar desde um pequeno aumento do volume das pálpebras até à proptose, diplopia, dor ocular ou perda total da visão6.

A TC se faz útil na localização do conteúdo intraorbital e pode fornecer a origem do acúmulo de gás, do mecanismo fisiopatológico e dos resultados clínicos1,7. O local da EO pode ser categorizado em cinco compartimentos: o subcutâneo periorbital (anterior ao septo orbital), peribulbar, retrobulbar intraconal, retrobulbar extraconal e fossa pterigopalatina, todos posteriores ao septo orbital. A EO pós-septal está associada a lesões mais graves, incluindo a lesão do nervo óptico4.

Na maioria dos casos, a EO é uma condição benigna e resolve-se espontaneamente dentro de 2 dias a 2 semanas com apenas tratamento conservador4,5. Não existe consenso quanto à profilaxia antibiótica, e esta é normalmente indicada em casos de lesões contaminantes, quando há presença de sinusite ou se os pacientes são imunossuprimidos7. Os pacientes devem ser instruídos para evitarem assoar o nariz de forma vigorosa3.

No entanto, é necessário extremo cuidado devido a possíveis complicações que resultam em perda de visão, tais como PIO elevada, neuropatia óptica e isquemia da artéria retiniana central2, secundária à alta pressão retrobulbar e síndrome compartimental orbitária aguda1. Nesses casos, a intervenção imediata é essencial, incluindo a drenagem do ar com uma seringa, um procedimento simples e rápido que pode evitar a intervenção cirúrgica3,9. Se tal procedimento não for eficaz, a cantotomia orbital lateral e a cantólise (CLC) podem ser feitas para descompressão orbital2. A síndrome compartimental orbitária é uma emergência oftalmológica grave, e todos os profissionais de emergência devem ser capazes de diagnosticar esta condição e dominar o procedimento CLC na tentativa de prevenir a perda da visão10. A intervenção cirúrgica também pode ser determinada com base na PIO, fundoscopia e testes de defeitos pupilares aferentes reflexivos em pacientes que não cooperam com o teste de acuidade visual1.

Em alguns casos, a fratura da parede orbital medial pode desencadear algumas complicações importantes, tais como restrição muscular extra-ocular, diplopia e enoftalmia, sendo necessária uma maior redução da fratura2,3. No entanto, a redução da fratura orbital pode ser adiada, uma vez, que as pressões retrobulbar podem sair através do local da fratura2.

A nossa paciente apresentou enfisema orbital grave na TC, mas não apresentou nenhuma tenda do globo ou sinais clínicos da síndrome compartimental orbitária. A acuidade visual (AV) foi preservada, a PIO estava normal, e a paciente teve uma reação pupilar normal, indicando função intacta do nervo óptico. Como a paciente teve uma melhora muito satisfatória durante o acompanhamento, a intervenção médica ou cirúrgica não foi necessária.

Em conclusão, os médicos devem saber como identificar um caso de enfisema e fratura orbital. Para isso, anamnese completa e exame físico cuidadoso, acompanhados de estudos de imagem, são essenciais para fazer o diagnóstico preciso e evitar complicações graves. Uma vez diagnosticada, o procedimento varia da simples observação à aspiração com agulhas ou mesmo à descompressão óssea, se necessário.

 

REFERÊNCIAS

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7. Solanas-Álava S, Rodríguez-Marco NA, Artigas-Martín JM, Fernández-Larripa S. [Orbital emphysema: radiologic and ophthalmologic findings]. Emergencias. 2017;29(2):122-125. Spanish.

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10. Desai NM, Shah Su. Lateral Orbital Canthotomy. [Updated 2021 Jan 31]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK557476/

 

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

Financiamento: Declaram não haver

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 11 de Julho de 2022.
Aceito em: 23 de Agosto de 2022.


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