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2024

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Casos Clínicos Discutidos

Pseudoretinose pigmentar unilateral luética - importância da investigação clínica: relato de caso

Unilateral syphiliticpseudo-retinitis pigmentosa - importance of clinical investigation: case report

Samilla Augusto Vieira de Araujo1; Renata Zaltron Neumann1; Francyne Veiga Reis Cyrino1,2,3

DOI: 10.17545/eOftalmo/2021.0006

RESUMO

A retinose pigmentar é uma distrofia hereditária da retina em que ocorre a destruição progressiva da retina neurossensorial. Os casos unilaterais, retinose pigmentar unilateral, apesar de ter sido descrito pela primeira vez há mais de um século ainda não é uma entidade bem definida. Isso ocorre pela dificuldade de descartar causas secundárias principalmente as infecciosas. No caso em questão, o paciente apresentou quadro semelhante a retinose pigmentar unilateral porém com exames laboratoriais e história clínica que corroboraram com a hipótese de Pseudoretinose Pigmentar secundária a Sífilis. Apesar de não se ter um tratamento específico para o caso a discussão se torna importante devido ao crescimento exponencial da Sífilis atualmente.

Palavras-chave: Retinose pigmentar; Sífilis; Degeneração retiniana; Células fotorreceptoras retinianas bastonetes.

ABSTRACT

Retinitispigmentosa (RP) is a hereditary dystrophy of the retina in which progressive destruction of the neurosensory retina occurs. Although unilateral RP was first described more than a century ago, it is not yet a well-defined entity. This is attributed to the difficulty of ruling out secondary causes,primarily infectious ones. In the presentcase, the patient presented a clinical picture similar to unilateral RPbut with laboratory tests and clinical history that corroborated the hypothesis of pseudo-retinitis pigmentosa secondary to syphilis. Although there is no specific treatment for thiscase, its discussion becomes important because of the current exponential growth of syphilis.

Keywords: Retinitis pigmentosa; Syphilis; Retinal degeneration; Retinal photoreceptor cells.

INTRODUÇÃO

Retinose Pigmentar (RP) é um termo usado para caracterizar algumas patologias em que ocorre uma destruição progressiva de fotorreceptores da retina1, principalmente os bastonetes, responsáveis pela adaptação claro-escuro, sendo este o sintoma mais inicial da doença, denominado nictalopia. É a distrofia hereditária mais comum (1:5000) e geralmente é descoberta ainda na idade jovem sendo na maioria dos casos bilateral2,3 e associada a mutação no gene RPE65.

A medida que a degeneração dos bastonetes avança, há piora do quadro clínico com consequente perda de visão periférica e constrição do campo visual, evoluindo progressivamente para o comprometimento macular, podendo causar baixa visual, edema macular, catarata subcapsular posterior, glaucoma e até mesmo a cegueira2. Anatomicamente apresenta como sinais clássicos, a tríade: pigmentação retiniana em espículas ósseas, palidez “cérea” e atenuação arteriolar2,3.

O diagnóstico é feito baseado na história clínica e nas alterações encontradas na biomicroscopia de fundo. Exames complementares como campo visual mostram escotomas periféricos evoluindo para um padrão tubular. O eletrorretinograma mostra a redução da função dos fotorreceptores principalmente os bastonetes. Já a angiografia fluoresceínica é importante para seguimento do quadro revelando a destruição do epitélio pigmentar.

A Retinose Pigmentar Unilateral (RPU), apesar de ter sido descrita há mais de um século ainda é uma entidade não bem definida3. Alguns casos foram relatados, porém existe a dificuldade de descartar patologias que apresentam esse quadro unilateral de forma secundária4. Em 1952, François e Verriest estabeleceram critérios para o diagnóstico correto, onde devem ser descartadas associação a doenças infecciosas ou traumas, constatar a presença de retinose no olho afetado e ausência dos sinais no olho contralateral5.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de Pseudoretinose Pigmentar Unilateral (PRPU) infecciosa, sem o diagnóstico adequado.

 

RELATO DO CASO

Paciente masculino, 72 anos, tabagista, trabalhador rural, atendido no serviço do CAO-UNAERP com queixa de baixa visual progressiva para perto em ambos os olhos (AO) há aproximadamente 2 anos, mais acentuada no olho esquerdo (OE). Relatava acidente com solda elétrica em OE há mais de 20 anos sem déficit visual na ocasião. Nega comorbidades conhecidas ou história familiar de doenças oftalmológicas e cegueira.

Realizado exame oftalmológico completo com acuidade visual corrigida de 20/30 no olho direito (OD) e 20/25 no olho esquerdo (OE), catarata nuclear 2+/4+ e tonometria de 13 mmHg ambos os olhos (AO). À fundoscopia, OD mostrou-se sem alterações (Figura 1) e, no OE, observamos disco óptico com margens nítidas e palidez mais acentuada da papila, atenuação vascular e a presença de lesões pigmentares tipo espículas ósseas difusas pelo pólo posterior e periferia, poupando a região macular (Figura 2), sugerindo o diagnóstico provável de Retinose Pigmentar Unilateral (RPU).

 


Figura 1. Retinografia do olho direito mostrando ausência de alterações patológicas na periferia da retina.

 

 


Figura 2. Retinografia o olho esqerdo mostrando grumos pigmentares tipo espiculas osseas naperiferia da retina sugerindo retinose pigmentar unilateral.

 

Diante do quadro fundoscópico observado, refizemos a anamnese, e o paciente relatou comportamento sexual de risco na fase de adulto jovem e mesmo após o matrimonio e a esposa informou que o paciente fizera tratamento com penicilina intramuscular (IM) alguns anos antes.

Solicitados os exames complementares laboratoriais, angiofluoresceínografia (AFG) e tomografia de coerência óptica (OCT) (Figura 3) e campo visual (Figura 4), este último (CV) mostrando-se normal em OD e no OE, campo tubular com ilha de visão central. A AFG mostrou difusas áreas de hipofluorescência por bloqueio moteadas por hiperfluorescência por efeito em janela nos quatro quadrantes e na região macular (Figura 3). A tomografia de coerência óptica (OCT) não evidenciou edema macular no olho esquerdo (Figura 4).

 


Figura 3. Angiofluoresceínografia do olho esquerdo mostrando áreas difusas de hipofluorescência por bloqueio (hiperplasia de EPR) e áreas de hiperfluorescência por efeito em janela (rarefação de EPR).

 

 


Figura 4. Campo visual do olho esquerdo mostrando constrição generalizada das isopteras (campo tubular) com preservação de campo central.

 

As sorologias evidenciaram VDRL não reagente (1:1), FTA-ABS IgM negativo e IgG positivo, Toxoplasmose IgM negativo e IgG positivo, Citomegalovírus IgM negativo e IgG positivo.

 

DISCUSSÃO

Doenças infecciosas como sífilis, toxoplasmose, rubéola e citomegalovirose podem causar uma reação inflamatória levando a uma mobilização do epitélio pigmentar da retina (EPR)1,6 e formação de espículas ósseas características de retinose pigmentar (RP). Outras causas como traumas oculares associados a descolamento de retina7 além de retinose tóxica secundária ao uso de medicações como antipsicóticos, são causas importantes que devem entrar como diagnóstico diferencial8.

Neste trabalho, apesar da queixa de piora da acuidade recente (2 anos), a história de comportamento sexual de risco, a boa acuidade visual apesar da presença marcada das alterações fundoscópicas somente no olho esquerdo, sugeriram a hipótese de pseudoretinose pigmentar secundária a doenças infectocontagiosa (sífilis) conforme descrito na literatura. Segundo a literatura, quadros secundários como a pseudoretinose pigmentar luética em geral apresentam prognostico visual mais favorável do que nos casos de retinose pigmentar hereditária, apesar do risco de neurite óptica, que se não tratada a tempo, pode levar a perda total da visão.

Até recentemente, não havia tratamento específico para essas desordens do epitélio retiniano. Alguns estudos mostravam o uso de vitamina A via oral para Retinose Pigmentar, porém seu efeito não foi comprovado além dos efeitos colaterais9. O uso de Ácido Valpróico também foi proposto na tentativa de retardar a progressão do campo visual porém não houve benefício quando comparado ao placebo8. Recentemente, o voretigeno neparvoveque (Luxturna®) foi aprovado nos Estados Unidos para o tratamento da retinose pigmentar. Os pacientes candidatos a esse novo tratamento seriam aqueles com comprovada mutação bialélica no gene RPE65 e que apresentem células retinianas viáveis suficientes na OCT10. Aplicado via injeção sub-retiniana, introduz por meio de um vírus modificado uma cópia normal do gene nas células da retina fazendo com que as células defeituosas passem a produzir a proteína que converte luz em sinal elétrico pelo nervo óptico10,11.

Para a pseudoretinose pigmentar secundária, o tratamento é da causa, ou seja, mediante ao uso de penicilina benzatina ou cristalina nas doses e vias recomendadas. Contudo, para o paciente em questão, não foi instituído nenhum tratamento específico, seguindo também a orientação do infectologista, uma vez que já havia sido tratado previamente com penicilina intra-muscular, optando-se então pelo seguimento semestral.

Inúmeras etiologias podem provocar um quadro de injúria celular levando a mobilização do epitélio pigmentário, lesão de fotorreceptores e deposição de pigmento semelhante ao caso descrito. A RPU de forma isolada é uma entidade clínica questionada, principalmente pela dificuldade de se afastar as causas secundárias, como a sífilis, cujo número de pessoas contaminadas, jovens e idosos, vem aumentando sobremaneira no Brasil. Contudo, uma anamnese bem-feita pode nos orientar no raciocínio e no diagnóstico.

 

REFERÊNCIAS

1. Tayah D, Angelucci RI, Sampaio P, Rehder JRCL. Retinose Pigmentar. Arq Med ABC. 2004;29:82-6.

2. Bowling B. Kanski Oftalmologia Clínica: Uma Abordagem Sistêmica. GEN Guanabara Koogan ed. 2016.

3. Rios DFC, Carneiro LFSA, Cunha AAF, Dalle CBM, Frasson M. Retinose pigmentar unilateral ou pseudorretinose pigmentar?: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2013;76(6):383-5.

4. Vela JI, Marcantonio I, Díaz-Cascajosa J, Crespí J, Buil JA. Progression of retinal pigmentation mimicking unilateral retinitis pigmentosa after bilateral pars planitis: a case report. BMC Ophthalmol. 2018;18(1):242.

5. François J, Verriest G. Rétinopathiepigmentaire unilateral. Ophthalmologica. 1952;124(2):65-88

6. Aragão REM, Barreira IMA, Bastos ASV, Carneiro GJAM, Oria TPC. Unilateral retinitis pigmentosa: case report. Rev Med UFC. 2015;55(2):54-8.

7. Duncan JL, Pierce EA, Laster AM, Daiger SP, Birch DG, Ash JD, Iannaccone A, Flannery JG, Sahel JA, Zack DJ, Zarbin MA, and the Foundation Fighting Blindness Scientific Advisory Board. Inherited Retinal Degenerations: Current Landscape and Knowledge Gaps. Transl Vis Sci Technol. 2018;7(4):6.

8. Cestari AT, Sallum JMF, Conti ML, Tagliari TI, Barboza MNC. Retinose pigmentada unilateral secundária a trauma: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2012;75(3):210-2 .

9. Weller JM, Michelson G, Juenemann AG. Unilateral retinitis pigmentosa: 30 years follow-up. BMJ Case Rep. 2014 Feb 10;2014: bcr2013202236.

10. Luxturna [prescribing information]. Philadelphia, PA; Spark Therapuetics, Inc. December 2017.

11. LuxturnaTM (Voretigene Neparvovec-Rzyl) UnitedHealthcare Commercial Medical Benefit Drug Policy Effective 11/01/2019 Proprietary Information of UnitedHealthcare. Copyright 2019

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES


»Samilla Augusto Vieira de Araujo:
https://orcid.org/0000-0002-7974-4680/
http://lattes.cnpq.br/2910111629422356

»Renata Zaltron Neumann
https://orcid.org/0000-0001-8611-5797
http://lattes.cnpq.br/2323154650022034

Financiamento: Declaram não haver

Conflitos de Interesse: Declaram não haver

Recebido em: 26 de Setembro de 2020.
Aceito em: 15 de Dezembro de 2020.


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