Artigo

Acesso aberto Revisado por pares

2111

Visualizações

 


Revisão Narrativa de Literatura

Manifestações oftalmológicas em indivíduos infectados pelo vírus da Chikungunya: uma revisão integrativa da literatura

Ophthalmic manifestations in individuals infected with chikungunya virus: an integrative literature review

Juliana Gomes da Silva1; Ana Clara Oliveira Gomes2; André Luís Celestino Ferreira2; Bianca Ferreira dos Santos2; Heldery Soares de Alustau2; Helga Larissa Barbosa Tiburtino3; Felipe Emery Rabello1; Rodrigo Correia Tiburtino1; Francisco Petrucci Palitot1; Aganeide Castilho-Palitot1

DOI: 10.17545/eOftalmo/2021.0003

RESUMO

OBJETIVOS: Nos últimos anos, as arboviroses têm tomado destaque na saúde pública devido sua alta incidência. A disseminação global de seus vetores promoveu a expansão do vírus da Chikungunya, assim como seus efeitos clínicos oftalmológicos. Objetivando fazer um levantamento bibliográfico acerca das principais manifestações oculares nos pacientes acometidos pelo vírus da Chikungunya, foi realizada uma revisão integrativa.
MÉTODOS: Revisão bibliográfica com busca sistemática de artigos científicos indexados nas bases de dados online PubMed, Medline, Scielo, Portal Saúde Baseada Em Evidências e Lilacs.
RESULTADOS: Foram selecionados dez artigos, publicados entre os anos de 2007 a 2018. As principais manifestações oculares em indivíduos com Chikungunya foram retinite, uveítes granulomatosas ou não granulomatosas, fotofobia, início de perda visual aguda, conjuntivite, episclerite, neurite óptica, paralisia oculomotora e dor orbital retrobulbar.
CONCLUSÃO: Alterações oculares relacionadas ao vírus da Chikungunya acometem pacientes de diferentes idades e podem envolver desde o segmento ocular anterior até o posterior. Assim, faz se necessário o desenvolvimento de mais estudos que analisem a relação da infecção pelo vírus da Chikungunya e o surgimento ou agravo de doenças oculares.

Palavras-chave: Chikungunya; Oftalmologia; Arboviroses.

ABSTRACT

PURPOSES: In recent years, arboviruses have been very important in public health due to their high incidence. The global dissemination of its vectors promoted the expansion of the Chikungunya virus, as well as its ophthalmological effects. Carry out a bibliographic search about the main ocular manifestations in the patients affected by the Chikungunya virus.
METHODS: Integrative bibliographical review carried out through a systematic research of scientific articles indexed in the online databases PubMed, Medline, Scielo, Health Portal Based on Evidence and Lilacs.
RESULTS: 10 articles were selected, published between 2007 and 2018. The main ocular manifestations in patients affected by Chikunguya virus were retinitis, granulomatous or non-granulomatous uveitis, photophobia, onset of acute visual loss, conjunctivitis, episcleritis, optic neuritis, oculomotor paralysis and retrobulbar orbital pain.
CONCLUSION: Ocular effects related to the Chikungunya virus affect patients of different ages and may involve from the anterior to the posterior segment of the eye. Thus, it is necessary to develop further studies that analyze the connection between Chikungunya virus infection and the onset of ocular diseases.

Keywords: Chikungunya; Ophthalmology; Arboviruses.

INTRODUÇÃO

As Arboviroses são doenças transmitidas ao homem por artrópodes, como mosquitos e carrapatos. Esses insetos transmitem os arbovírus que incluem uma ampla variedade de vírus de ácido ribonucleico (RNA), como os flavivírus (gênero Flavivirus, um dos três gêneros da família Flaviviridae) e os alfavírus (gênero Alphavirus, um dos dois gêneros da família Togaviridae). Tanto o vírus da Dengue (DFV) como o Zika vírus (ZIKV) são flavivírus, enquanto o vírus Chikungunya (CHIKV) é alphavirus1,2.

Os vetores das arboviroses são infectados pela ingestão de sangue de um humano ou animal com viremia, os vírus ingeridos multiplicam-se, alcançam as glândulas salivares do inseto e são repassados na próxima refeição do vetor. Após a infecção o quadro clínico das arboviroses geralmente não é específico, incluindo febre, cefaleia, artralgia e erupção cutânea. Somado a isso, o crescimento da incidência das arboviroses resulta, principalmente, da urbanização rápida, da infraestrutura inadequada das cidades, do aumento da quantidade de lixo em ambientes urbanos, da superpopulação, das mudanças climáticas e do aumento das viagens internacionais3.

A Chikungunya é uma doença emergente transmitida especificamente por fêmeas de mosquitos do gênero Aedes, como o A. aegypti nas Américas e o A. Albopictus na Ásia, e possui o seu início geralmente entre quatro e oito dias após a infecção, mas pode variar de dois a doze dias. Essa doença teve a sua primeira descrição em 1995 por Robinson e Lumsden, após um surto na Makonde Plateau, ao longo da fronteira entre a Tanzânia e Moçambique, em 1952 e desse surto surgiu o seu nome “Chikungunya” que no dialeto local significa “aquilo que se curva” fazendo analogia à postura encurvada do enfermo como resultado da dor da doença. Posteriormente a esse surto o CHIKV foi identificado em mais de 60 países na Ásia, África, Europa e Américas, e relatórios recentes de surtos em larga escala revelam o ressurgimento do vírus em várias partes do mundo1,2,4.

A doença Chikungunya é mais frequentemente autolimitada, porém surtos recentes possivelmente apresentaram-se mais graves do que os surtos anteriores, com mais manifestações sistêmicas e até mesmo a morte. Além disso, essa doença apresenta sintomas compartilhados com outras arboviroses, como febre, mialgias, cefaleia, e é caracterizada, principalmente por dores articulares incapacitantes, porém mesmo achados oftalmológicos sendo raros nessa doença, estudos reportaram manifestações oculares associadas aos CHIKV, incluindo: conjuntivite, neurite óptica, papilite, neurorretinite, panuveíte, episclerite, ceratite, uveíte anterior e retinite2,5,6.

Diante do exposto, é de suma importância para o manejo clinico da Chikungunya conhecer seus efeitos e correlacionar os achados presentes em diferentes populações. Dessa forma, esse estudo teve como objetivo realizar um levantamento bibliográfico da literatura disponível e descrever as principais manifestações oculares em indivíduos infectados pelo vírus Chikungunya.

 

MÉTODOS

Foi realizada uma busca sistemática de artigos científicos indexados nas bases de dados online PubMed, Medline, Scielo, Portal Saúde Baseada Em Evidências e Lilacs. As palavras chaves utilizadas foram “Chikungunya and oftalmologia”, “CHIKV and oftalmologia”, “Arboviroses and oftalmologia”. A presente pesquisa teve como base, estudos previamente selecionados, seguindo os critérios de inclusão: ensaios clínicos controlados randomizados, relatos de caso, série de casos, revisões sistemáticas, que retrataram as manifestações oculares decorrentes da infecção de CHIKV. Foram considerados como critérios de exclusão estudos que não retrataram as manifestações oculares decorrentes da infecção do vírus Chikungunya ou tratava das manifestações oculares exclusivamente de outras Arboviroses. Assim, os títulos e resumos, foram identificados e analisados independentemente por quatro revisores, sendo selecionados aqueles que cumprissem os critérios de elegibilidades. Os estudos selecionados por um revisor eram repassados para outro revisor para uma posterior análise do mesmo, para assim, obter uma maior confiabilidade dentre os artigos selecionados. Em caso de discordância, os outros dois avaliadores eram consultados para um veredito final de inclusão ou exclusão de determinado artigo. Todos os registros elegíveis foram lidos integralmente e os dados disponíveis no texto foram extraídos considerando todos os aspectos pertinentes do artigo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A busca inicial de artigos através dos descritores resultou em 497 artigos encontrados. Destes, 356 foram excluídos após a primeira análise. Dos 141 restantes, 112 não se apresentavam dentro dos critérios de inclusão requeridos. Foram selecionados 29 artigos para análise do título e resumo e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Foram selecionados 10 trabalhos finais que contemplaram todas as necessidades exigidas.

Desses dez trabalhos, cinco eram Revisões bibliográficas, quatro eram estudos de casos observacionais e um era um estudo de coorte. Chamou-nos atenção nesse quesito o nível de importância metodológica ao quais os trabalhos se encaixavam, considerando a pirâmide de nível de evidências, os estudos do tipo série de casos e revisões bibliográficas na base da pirâmide, representando 90% dos estudos apresentados. Apenas um estudo7, apresentava um estudo de Coorte, que se apresenta na parte alta da pirâmide de evidências. Isso mostra uma deficiência no que diz respeito às evidências científicas disponíveis hoje em dia sobre o tema proposto.

Outro ponto analisado é o ano de publicação apresentando-se em um intervalo de tempo entre 2007 e 2018, o que demonstra que a quantidade de publicações ainda é escassa, pois o tema é algo inovador na área das arboviroses e que a maioria dos trabalhos estão ainda surgindo ao longo do tempo devido a uma maior visibilidade e importância nos achados clínicos dos pacientes infectados pelo CHIKV.

No que diz respeito às amostras utilizadas nos estudos levantados, a quantidade da amostra apresentou um pequeno número de indivíduos analisados. Isso pode apresentar-se com uma problemática a ser avaliada ao analisarmos os estudos. Já nas alterações oculares avaliadas, todos os trabalhos foram satisfatoriamente bem analisados, mostrando, assim, de forma metodológica as alterações patológicas encontradas nos casos avaliados, bem como, sinais e sintomas decorrentes dessas alterações.Tabela 1.

 


Figura 1. Hierarquia de evidência. Investigações com localização superior na hierarquia indicam maior força da evidência (Fonte: Sampaio, 2007).

 

 

 

Os estudos analisados demonstraram que a fisiopatologia da Chikungunya não é clara, contudo alguns estudos em camundongos revelaram o envolvimento do tecido conjuntivo, sobretudo o epimísio, do tecido muscular, das articulações, dos fibroblastos da pele, e do sistema nervoso central. O vírus dessa infecção também foi encontrado em biópsias de músculos, articulações e derme de pacientes humanos infectados. O ciclo natural do vírus é humano-mosquito-humano. Há, no entanto, evidências da existência de ciclos epizoóticos que podem reter o vírus durante o período interepidêmico. Durante as epidemias, os seres humanos servem como reservatórios do vírus Chikungunya; durante períodos interepidêmicos, vários vertebrados, como macacos, roedores e pássaros, também são implicados como o reservatório. A transmissão materno-fetal vertical foi documentada em gestantes afetadas pela febre Chikungunya. O vírus da Chikungunya infecta a córnea humana e pode ser transmitido por meio dos enxertos corneanos1,8.

O quadro clínico de arboviroses em geral é geralmente não específico, e na maioria dos casos, eles incluem febre, dor de cabeça, artralgia e erupção cutânea. Certos sinais frequentemente sugerem um arbovírus específico, como febre moderada e conjuntivite para o vírus Zika, leucopenia e trombocitopenia para dengue e artralgias graves para o vírus Chikungunya. A Chikungunya pode ser uma doença fatal e pode ser caracterizada no geral pelos seguintes sintomas: febre, dor de cabeça, fadiga, náuseas, vômitos, mialgias, erupção cutânea, dores nas articulações, mal-estar geral. Além disso, entre os arbovírus emergentes, como o da Chikungunya, alguns deles são acompanhados por envolvimento ocular significativo. As dores nas articulações geralmente aumentam pela manhã ao acordar e podem persistir por meses e até anos em alguns pacientes (estudos publicados têm relatado proporções variáveis, de 5 a 60%), o que resulta em sérias consequências econômicas e sociais tanto para o indivíduo quanto para as comunidades afetadas. As mortes por essa infecção são raras (<1% dos indivíduos infectados) e ocorrem sobretudo em idosos1,3,4.

De maneira geral as principais células do corpo atacadas pelo vírus Chikungunya são os fibroblastos, as células epiteliais e as células linfoides. Além disso, histologicamente o exame do tecido sinovial de indivíduos infectados apresenta macrófagos com material viral. Tendo em vista isso, a nível ocular o vírus da Chikungunya ataca fibroblastos dos tecidos como a córnea, a esclera, o corpo ciliar e os músculos oculomotores, fato esse que pode explicar a sintomatologia ocular dessa infecção. Além disso, o vírus é conhecido por afetar o olho em miríades, maneiras que vão desde conjuntivite e renite a, até mesmo, neurite óptica. Durante a fase inicial da doença, enquanto os sintomas sistêmicos estão sendo estabelecidos, primeira manifestação oftalmológica inclui fotofobia, injeção conjuntival e dor retro-ocular4,10.

As manifestações oftalmológicas resultantes da infecção pelo vírus da Chikungunya podem envolver o segmento anterior ocular até o posterior. Ainda há poucas publicações sobre essas manifestações, mas os sintomas mais comuns relatados foram fotofobia, dor orbital retrobulbar e conjuntivite que podem simular outras infecções virais comuns à fase inicial da doença. A principal manifestação ocular é uma uveíte anterior que pode ser granulomatosa ou não granulomatosa e frequentemente está associada a precipitados cerebrais pigmentados e hipertensão ocular, podendo ser bilateral, e se resolve em semanas ou meses. Diante disso, a doação de córnea é contraindicada em caso de suspeita de Chikungunya. É comum, ainda, que outros sintomas geralmente apareçam como desfocado: visão, flutuação, rega, irritação e diplopia após um período latente de um mês a um ano (durante a fase crônica)1,3,4,7,9,10.

Acerca das manifestações oculares no segmento ocular anterior, a infecção pelo vírus pode acarretar em lagoftalmo e paralisia do VI nervo craniano, precipitados ceráticos pigmentados com padrão dendrítico sobre o epitélio endotélio da córnea com edema da córnea, caracterizando a ceratite viral. A uveíte anterior, granulomatosa ou não granulomatosa, é a complicação mais frequentemente relatada e representa um terço dos casos no estudo7 que incluiu 37 casos de complicações oculares relacionadas ao vírus Chikungunya. Outras manifestações do segmento anterior foram descritas como esclerite, ceratite, paralisia nervosa, nistagmo e miosite1,3,4,9.

Outras manifestações oculares recorrentes descritas em um dos estudos7 de incluem neurite óptica, neurite retrobulbar e lesões dendríticas. Entretanto, essas manifestações podem ser derivadas de um processo imunológico pela produção de anticorpos, e não uma ação direta da infecção viral. Esse mesmo estudo mostrou que, quando tratadas de maneira adequada, esses agravos apresentavam bom prognóstico. Assim, o tratamento precoce e a prevenção da infecção são medidas que diminuem a ocorrência das complicações citadas acima, sendo necessárias para evitar o comprometimento permanente funcional da visão7.

As manifestações oculares no segmento ocular posterior de forma geral caracterizam-se por coroidite, retinite, neurorretinite e neurite do disco óptico. A retinite por Chikungunya pode apresentar-se no momento da febre ou após muitas semanas ou meses da infecção. As características clínicas incluem vitrite leve, disco hiperêmico, hemorragias na retina (decorrente do envolvimento de vasos do polo posterior), manchas de algodão, retinite multifocal (observada principalmente na periferia da retina), edema retiniano e compromisso vascular no polo posterior1,2,4,9.

Na angiografia fluoresceínica de pacientes com CHIKV observou-se hipofluorescência precoce com hiperfluorescência tardia que correspondem as áreas com retinite, escape vascular e áreas sem perfusão capilar. Além disso, a tomografia óptica pode mostrar áreas hiperreflexivas que correspondem a retinites e áreas hiporreflexivas que correspondem a descolamento seroso da retina. A recuperação visual da retinite ocorre entre dez a doze semanas apresentando bons resultados, mas com a persistência de mudanças pigmentares1,2,4,9.

Outros achados em paciente com Chikungunya incluem oftalmoplegia externa bilateral, hemianopsias homônimas incongruentes, oclusão da artéria central da retina, descolamento seroso da retina, coroidites multifocais e paralisias do sexto nervo craniano. Além disso, os estudos afirmam que a isquemia macular e as alterações dos discos ópticos são responsáveis pelos pobres resultados vistos na minoria dos pacientes. Em alguns casos de uveíte posterior, tratados empiricamente com aciclovir (ineficaz contra RNA vírus), esteroides sistêmicos e anti-inflamatórios não esteroidais em gotas, foi experimentado um resultado favorável em menos de dois meses1-,9.

Tendo em vista isso, um estudo na Índia com nove pacientes infectados pelo vírus da Chikungunya, revelou que os doentes além de apresentarem febre, cefaleia, náuseas, vômito, calafrios, dores nas articulações e inchaços com intensidades variáveis no tornozelo, joelho e cotovelo, após passarem por exames oftalmológicos apresentaram alterações oftalmológica, sendo que um apresentou episclerite nodular, cinco apresentaram iridociclite aguda, três apresentaram iridociclite unilateral, dois apresentaram iridociclite bilateral com o aumento da pressão intraocular que variou de 27 mmHg para 42 mmHg, e três infectados apresentaram retinite. Os pacientes após o tratamento dos seus problemas oftalmológicos tiveram a resolução completa da inflamação com a restauração da pressão intraocular normal, assim, sequelas em longo prazo da retinite são desconhecidas2.

Como a retinite decorrente da Chinkugunya é semelhante à de outras infecções, faz-se necessário a realização de diagnósticos diferenciais, principalmente com a retinite herpética, a do citomegalovírus, contudo infecções são mais comuns em indivíduos imunodeficientes e apresentam inflamação mais exuberante. Contudo, a história de febre, dores nas articulações e erupção cutânea antes do início dos sintomas visuais compatível com sintomatologia da Chinkugunya é útil no diagnóstico, particularmente nas regiões endêmicas. Além disso, o diagnóstico também deve ser realizado com a retinite causada pelo vírus do Nilo Ocidental1,2,4.

A neuropatia óptica representa aproximadamente 10% do envolvimento ocular do vírus Chikungunya. Os sinais de neuropatia óptica surgem em média um mês após o início da doença e os pacientes queixam-se de diminuição da acuidade visual. Somado a isso, pode haver uma possível relação entre o início das manifestações sistêmicas com o início do quadro de neuropatia óptica3.

A infecção por Chikungunya pode, ainda, agravar os casos de neurite óptica. Segundo estudos, a infecção por esse vírus pode causar um início agudo de perda visual quando associado à neurite óptica, podendo os pacientes apresentar também papilite ocular, neurite retrobulbar ou neurorretinite, sendo a ocorrência bilateral rara. Pode se ter, também, envolvimento do trato óptico, em uma menor parcela dos pacientes, havendo nenhuma evidência do envolvimento do quiasma óptico. O envolvimento do vírus da Chikungunya nessas manifestações oculares não está totalmente esclarecido. Uma menor parcela dos pacientes apresenta indícios do efeito direto da infecção, enquanto a maior parte apresenta um atraso da resposta imune. Ademais, algumas características indicam a possibilidade de um mecanismo autoimune estar associado à patogenia do vírus, como a menor ocorrência bilateral das doenças, atraso do início da resposta e boa resposta a terapia com corticosteroides5,8.

Outra manifestação oftalmológica decorrente da Chikungunya é a neurorretinite unilateral, a qual foi relatada em uma série de casos (entre 2014 e 2016) com três pacientes. Nesse estudo os três pacientes infectados com o vírus foram submetidos a uma avaliação oftalmológica, exame de fundo de olho, tomografia de coerência óptica macular (OCT) e estudo da angiografia com fluoresceína. Dessa forma, todos os pacientes apresentaram edema unilateral do nervo óptico e exsudatos maculares no olho afetado, achados consistentes com um diagnóstico de neurorretinite unilateral. Contudo, não é entendido o mecanismo de envolvimento unilateral ou bilateral presente em alguns pacientes, porém todos os pacientes desse estudo desenvolveram manifestações oculares várias semanas depois de experimentar a fase aguda da Chikungunya, o que corrobora com outros estudos que dizem que as manifestações do segmento posterior apresentam-se várias semanas depois da fase aguda da doença. Todos os pacientes apresentavam IgM positiva, o que indica que tiveram contato recente com o vírus6.

Dessa forma, tendo como base as evidências científicas abordadas, as alterações oculares decorrentes da infecção pelo vírus da Chikungunya demonstraram-se de grande relevância tendo em vista a alta frequência de pacientes acometidos na atualidade. Contudo, os mecanismos de patogenicidade desse vírus, sobre manifestações oculares, não estão totalmente elucidados. Entretanto, é possível estabelecer relações entre essa infecção e problemas oftalmológicos que atingem certos pacientes. Os estudos revelaram que o vírus pode atenuar doenças oftalmológicas já presentes no indivíduo, e ainda pode estar relacionado com a autoimunidade associada à patogenia desse vírus entre manifestações.

Os efeitos da infecção pelo vírus podem envolver desde o segmento ocular anterior até o posterior, sendo as principais manifestações as seguintes: retinite, uveítes granulomatosas ou não granulomatosas, fotofobia, início de perda visual aguda, conjuntivite, episclerite, neurite óptica, paralisia oculomotora e dor orbital retrobulbar.

Em detrimento dos questionamentos que ainda persistem acerca dos mecanismos de atuação do vírus da Chikungunya sobre o indivíduo e como ele pode estar relacionado com as manifestações oculares relatadas, faz-se necessários maiores esforços para o desenvolvimento de pesquisas que busquem esclarecer esses questionamentos e trazer medidas de tratamento que beneficiem os pacientes. Ademais, é necessária uma maior educação acerca das medidas de profilaxia através da interferência no ciclo biológico do vetor, assim como a importância do acompanhamento oftalmológico por um profissional qualificado.

 

REFERÊNCIAS

1. Andrade GC, Ventura CV, Arruda Mello Filho PA, Maia M, Vianello S, Rodrigues EB. Arboviruses and the eye. Int J Retina Vitreous. 2017 Feb 1;3:4.

2. Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.

3. Merle H, Donnio A, Jean-Charles A, Guyomarch J, Hage R, Najioullah F, et al. Ocular manifestations of emerging arboviruses: Dengue fever, Chikungunya, Zika virus, West Nile virus, and yellow fever. J Fr Ophthalmol. 2018;41(6):e235-e243.

4. Bechara CA, Restrepo CS. Manifestaciones Oculares de Infección del Virus del Chikunguña: Revisión de Literatura. Ver Soc Colomb Oftalmol. 2015;48(3):206-12.

5. Rose N, Anoop TM, John AP, Jabbar PK, George KC. Acute optic neuritis following infection with chikungunya virus in southern rural India. Int J Infect Dis. 2011;15(2):e147-50.

6. Davila PJ, Toledo A, Ulloa-Padilla J, Izquierdo NJ, Emanuelli A. Unilateral neuroretinitis as a lateonset manifestation of the chikungunya fever: a case series. Retin Cases Brief Rep. 2020; 14(1):44-8.

7. Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular Involvement Associated With an Epidemic Outbreak of Chikunguya Virus Infection. Am J Ophthalmol. 2007 Oct;144(4):552-6.

8. Mittal A, Mittal S, Bharati MJ, Ramakrishnan R, Saravanan S, Sathe PS. Optic Neuritis Associated with Chikungunya Virus Infection in South India. Arch Ophthalmol. 2007;125(10):1381-6.

9. Mahendradas P, Avadhani K, Shetty R. Chikungunya and the eye: a review. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2013;3(1):35.

10. Martínez-Pulgarín DF, Chowdhury FR, Villamil-Gomez WE, Rodriguez-Morales AJ, Blohm GM, Paniz-Mondolfi AE. Ophthalmologic aspects of chikungunya infection. Travel Med Infect Dis. 2016; 14(5):451-7.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

Financiamento: Declaram não haver

Conflitos de Interesse: Declaram não haver

Recebido em: 2 de Junho de 2020.
Aceito em: 16 de Outubro de 2020.


© 2024 Todos os Direitos Reservados