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Casos Clínicos Discutidos

Análise da qualidade dos óculos para fotoproteção comercializados no mercado formal e informal de São Paulo

Analysis of photoprotection glasses quality sold in formal and informal markets of São Paulo

Amanda de Alcântara Almeida Costa; Bianca Portal Silva; Camila Rodrigues Ribeiro; Gustavo de Paiva Castro; Mário Henrique Camargos de Lima

DOI: 10.17545/eOftalmo/2019.0016

RESUMO

O olho humano é exposto diariamente à radiação ultravioleta (RUV). A principal fonte de RUV é o sol. Os óculos de sol ou de fotoproteção minimizam os efeitos da exposição à radiação ultravioleta, retardando os danos oftalmológicos. O objetivo deste trabalho é comparar as propriedades de proteção ultravioleta e a segurança dos óculos de sol comercializados no mercado formal e informal de uma grande metrópole. Trata-se de um estudo transversal que foi realizado no mercado formal e informal de São Paulo. Foram selecionados 84 óculos de sol de maneira aleatória e sem pareamento em diferentes estabelecimentos de comercialização regulamentados e não regulamentados. Os óculos foram avaliados quanto a transmitância da radiação ultravioleta e lensometria e associados a procedência e faixa de preço. O preço médio dos óculos avaliados foi de R$106,22, com seus valores compreendidos na faixa de preço de R$7,50 a R$515,00. Analisando a transmitância nas diferentes categorias de comercialização, verificou-se diferença estatisticamente significante entre formal e informal. Quanto maior o preço, tanto menor a transmitância de radiação ultravioleta. A faixa de preço e a procedência dos óculos de fotoproteção estão diretamente e estatisticamente relacionados a fotoproteção e devem servir de guia para orientação dos pacientes na prática oftalmológica.

Palavras-chave: Óculos; Dispositivos de proteção dos olhos; Raios ultravioleta.

ABSTRACT

The human eye is exposed to ultraviolet (UV) radiation (UVR) on a daily basis. The main source of UVR is the sun. Sunglasses or photoprotection glasses minimize the effects of exposure to UVR, delaying eye damage. This cross-sectional study aimed to compare the UV protection properties and safety of sunglasses sold in the formal and informal markets of the large metropolis São Paulo. The study included 84 randomly selected sunglasses that were unpaired in different regulated and unregulated trading establishments. The glasses were evaluated for transmittance of UVR and lensometry in addition to their evaluation based on the associated origin and price range. The average price of the glasses evaluated was R$106.22, with a price range of R$7.50 to R$515.00. Analyzing the transmittance of UVR in different marketing categories resulted in a statistically significant difference between the glasses from formal and informal markets. The higher the price, the lower the transmittance of UVR. Hence, the price range and origin of the photoprotection glasses were directly and statistically related to photoprotection and should serve as a reference for patient guidance in ophthalmic practice.

Keywords: Glasses; Eye protection devices; Ultraviolet rays.

INTRODUÇÃO

O olho humano é exposto diariamente à radiação ultravioleta (RUV). A principal fonte de RUV é o sol. Acredita-se que inúmeras doenças oftalmológicas tenham uma associação direta ou indireta com a exposição cumulativa ou aguda à RUV 1. Atualmente, a exposição humana a esta radiação vem aumentando significativamente devido à redução da camada de ozônio e às mudanças climáticas globais, que influenciam os níveis de radiação na superfície 2. Além disso, o aumento da expectativa e as mudanças no estilo de vida 1, como o crescimento da prática de atividades ao ar livre e a visão social de que um bronzeado é desejável e saudável 3 ampliam a exposição a RUV 1,3. Há, portanto, amplas implicações em saúde pública além de um aumento na incidência de doenças oculares relacionadas à RUV 1.

A RUV caracteriza-se por uma onda eletromagnética na faixa de onda 100-400nm. O espectro de luz visível é de 400 a 700nm. A faixa de luz infravermelha é de 700nm a 1mm. Essa radiação contém mais energia que a luz visível ou infravermelha e, consequentemente, tem maior potencial à danos biológicos. O espectro ultravioleta (UV) pode ainda ser dividido em três bandas: UV-A (315-400nm), UV-B (280-315nm) e UV-C (100-280nm). A medida que a luz solar passa pela atmosfera, todos os raios UV-C e aproximadamente 90% da radiação UV-B são absorvidos pelo ozônio, pelo vapor de água, pelo oxigênio e pelo dióxido de carbono 3. Entretanto, os raios UV-A atingem a superfície da Terra quase completamente 4.

Os comprimentos de onda mais curtos são os mais biologicamente ativos e são absorvidos principalmente na córnea. Quanto maior o comprimento de onda, maior a proporção que passa pela córnea para alcançar o cristalino e a retina 5.

Dentre as alterações oftalmológicas secundárias à foto exposição destacam-se: carcinomas palpebrais (carcinoma de células basais e carcinoma de célula escamosas) 6, pinguécula 1, pterígio, fotoceratite, degeneração esferoidal da córnea 7, neoplasia intraeptelial de conjuntiva ou córnea, catarata 1, degeneração macular relacionada à idade (DMRI) 8 e melanoma uveal 1.

A Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não-Ionizante (ICNIRP) estabelece os limites de segurança para proteção dos olhos à exposição à radiação ultravioleta no espectro de 180 a 400nm nos olhos desprotegidos 9.

É notória a escassez de estudos internacionais publicados que avaliem a fotoproteção dos óculos de sol disponíveis no mercado. A respeito do assunto foi realizado trabalho por Bazzazi et al (2015) 4 e outro por Keshtkar-Jafari 10 no mercado iraniano e outro semelhante com óculos infantis no Colorado 11. Já no Brasil, até a presente data, não foram encontradas pesquisas publicadas sobre o tema.

O objetivo deste estudo é comparar a proteção ultravioleta dos óculos de sol comercializados no mercado formal e informal de uma grande metrópole.

 

MÉTODOS

Tratou-se de um estudo transversal que foi realizado no mercado formal e informal de São Paulo de janeiro a julho de 2019. Foram selecionados 84 óculos de sol de maneira aleatória e não pareada em diferentes estabelecimentos de comercialização regulamentados e não regulamentados, com diferentes faixas de preço. Posteriormente foram avaliados quanto à transmitância da RUV.

Para esta análise foi utilizado um lensômetro computadorizado Vision Black ® com porcentagem de transmitância varrida de 180 a 400nm seguindo as normas da ICNIRP 9. O resultado foi informado em porcentagem, configuração de fábrica do aparelho, já que o lensômetro não era capaz de diferenciar as faixas de RUV. Foi seguido o padrão do American National Standards Institute (ANSI) Z80.3:2001 (<1% de transmissão de UVB e UVA, transmitância <0,3 vezes a transmitância visual da luz) para classificar se óculos era eficaz na proteção contra RUV 12. Quanto menor a transmitância, maior é a segurança dos óculos solar.

Foi utilizada a planilha eletrônica MS-Excel, em sua versão do MS-Office 2013, para a organização dos dados, e o pacote estatístico IBM SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 24.0, para a obtenção dos resultados. Houve aplicação do Teste de Mann-Whitney e análise de Correlação de Spearman para análise das variáveis de interesse. P≤0,05 foi considerado estatisticamente significante.

 

RESULTADOS

Foram analisados 84 óculos no total, sendo 33 (39,29%) comercializados no mercado formal e 51 (60,71%) no mercado informal (Tabela 1). O preço médio dos óculos avaliados foi de R$106.22, com seus valores compreendidos na faixa de preço de R$7,50 a R$515,00 (Tabela 2).

 

 

 

 

Analisando a transmitância nas diferentes categorias de comercialização, verificou-se diferença estatisticamente significante entre formal e informal; portanto, podemos afirmar que, no geral, os valores de transmitância da categoria informal são efetivamente maiores do que os valores da categoria formal (Tabelas 3 e 4).

 

 

 

 

Aplicação da Análise de Correlação de Spearman (Tabela 5), com o intuito de verificarmos o grau de relacionamento entre as variáveis de interesse evidencia que quanto maior o preço, tanto menor a transmitância de RUV.

 

 

DISCUSSÃO

A exposição ocular excessiva à radiação UV pode induzir a uma série de danos oftalmológicos 13, tais como câncer de células escamosas e basais na pele da pálpebra e periorbital 6, pterígio 14, fotoceratoconjuntivite 15, catarata 16 e maculopatia 17.

Dentre os fatores que asseguram proteção contra tais danos destacam-se a proteção contra a RUV, a capacidade de polarização adequados e a intensidade da pigmentação da lente 18. A proteção contra radiação UV parece ser a característica mais importante no que tange a avaliação de segurança dos óculos de sol 14.

Óculos com lentes coloridas sem proteção UV adequada fazem com que as pupilas se dilatem devido à diminuição da luz visível, enquanto a quantidade de radiação UV permanece inalterada. Assim, haverá mais RUV atingindo o cristalino e a retina quando os óculos forem utilizados do que na ausência destes 19. Sabe-se que o cristalino absorve quase todas as luzes com comprimento de onda abaixo de 400nm 20 e o excesso de exposição à UV pode aumentar o risco de catarata 16. Além disso, a capacidade do cristalino em absorver a radiação UV aumenta com a idade e pode variar significativamente entre os indivíduos 20. Além do aumento do risco de exposição aos raios UV ao usar óculos de sol não padronizados, geralmente as pessoas que usam óculos escuros tendem a ficar mais expostas à luz solar, supondo que estejam protegidas pelos óculos de sol 21.

Em 1991, um estudo espectrofotométrico realizado em 40 crianças de óculos de sol por Werner (1991) 11, mostrou que alguns óculos de sol forneceram proteção completa contra raios UV, enquanto outros não. Eles também descobriram que alguns rótulos nos óculos de sol sobre “proteção RUV apropriada” podem ser enganosos para os clientes. Além disso, outro estudo de Otman et al. em 2005 sobre 37 óculos de sol em pacientes sob terapia com fotoquimioterapia mostrou que óculos de sol modernos com rótulo UV400 são adequados para proteção RUV 22. Por outro lado, óculos de sol baratos com o rótulo mencionado também podem apresentar qualidade aceitável 10.

É importante ressaltar a existência de óculos de sol coloridos encontrados no mercado que diminuem a luz visível, mas não protegem contra a RUV. Estes óculos de sol dilatam as pupilas enquanto a quantidade de RUV permanece inalterada, promovendo dano ocular 9.

Em nossa análise, 39,29% dos óculos de sol eram provenientes de vendedores formais (Tabela 1), destes 97% protegiam de forma eficaz contra a RUV (Tabela 3) com diferença estatisticamente significativa entre os óculos obtidos em mercados formais e informais (Tabela 4). Em contrapartida, apenas 80,4% dos óculos de comércios não legalizados demonstraram proteção adequada (Tabela 3). Nossos resultados são corroborados pelo estudo de Keshtkar-Jafari et al (2008) 10 realizado no mercado iraniano, em que 100% dos óculos que atendia os padrões seguros de transmitância era de vendedores autorizados, contrastando com uma menor porcentagem dos óculos informais que atingiam o mesmo objetivo: apenas 92,1% protegia contra UVB e 95,8% contra UVA.

Por outro lado, outro estudo demonstrou uma taxa alarmante de descumprimento das normas de proteção nos óculos comercializados em vendedores não autorizados, todos os óculos avaliados não se adequavam aos padrões aceitáveis 4.

A análise de transmitância nas diferentes faixas de preço demonstrou maior segurança quanto a transmissão de RUV pelos óculos nos produtos de maior valor com significância estatística (Tabela 5). Tal achado também foi observado nos estudos com metodologia semelhantes a este 4,10.

Forma, tamanho, posição de uso e reflexão da superfície posterior da lente são outros fatores importantes que podem afetar a adequação dos óculos de sol 23. Além disso, recomenda-se que a retenção, a qualidade óptica, a uniformidade e a correspondência das lentes, bem como a robustez e a construção geral dos óculos de sol sejam consideradas durante uma verificação padrão de qualidade/segurança 14,24. Portanto, apesar de 80,4% (Tabela 4) dos óculos informais avaliados neste estudo protegerem contra radiação UVA e UVB, outros dados precisam ser analisados para determinar a qualidade dos óculos e recomendação de uso pela população. Estas características não foram objetivo deste estudo, logo, novas pesquisas devem ser realizadas para avaliar qualidade ótica e segurança geral dos óculos.

Apesar dos óculos do mercado formal apresentarem maior índice de proteção contra RUV, ainda assim, os óculos vendidos informalmente no Brasil são surpreendentemente seguros. Uma das hipóteses aventadas é a de que os óculos paralelos possam ser produzidos com recortes das sobras da indústria formal, hipótese esta que não foi pesquisada no presente estudo. Diante da imensa variedade de óculos disponíveis no mercado e a falta de informação quanto à segurança destes produtos acerca da proteção contra a RUV, é de extrema relevância que não só a classe oftalmológica tenha conhecimento sobre este estudo como também os pacientes usuários de óculos de sol, principalmente os que os adquirem no mercado informal.

 

REFERÊNCIAS

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INFORMAÇÃO DOS AUTORES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conflitos de Interesse: Aprovação pelo Comitê de ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos: CEP Nº: 212/19

Recebido em: 1 de Outubro de 2019.
Aceito em: 22 de Agosto de 2020.


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