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Casos Clínicos Discutidos

Diplopia e estrabismo em paciente submetido à cirurgia refrativa (LASIK) utilizando a técnica de monovisão: relato de caso

Diplopia and strabismus after refractive surgery (LASIK): a case report

Diplopía y estrabismo post cirurgía refractiva (LASIK): relato de caso

Silvana V. Lazary1; Fernanda T. Krieger2

DOI: 10.17545/eOftalmo/2019.0025

RESUMO

O estrabismo e a diplopia são complicações raras, mas possíveis após uma cirurgia refrativa. Nesse trabalho descrevemos o caso de um paciente do sexo masculino submetido à cirurgia refrativa (LASIK) usando a técnica de monovisão e que dois anos após desenvolveu estrabismo e diplopia persistente mesmo após a correção da monovisão com nova cirurgia refrativa, sendo necessária cirurgia de estrabismo.

Palavras-chave: Diplopia; Estrabismo; LASIK.

ABSTRACT

Strabismus and diplopia are rare complications that can occur after refractive surgery. In this report, we describe the case of a male patient who underwent refractive surgery (LASIK) using the monovision technique and developed strabismus and persistent diplopia two years later even after monovision correction with new refractive surgery, requiring strabismus surgery.

Keywords: Diplopia; Strabismus; LASIK.

RESUMEN

El estrabismo y la diplopía son complicaciones raras, pero posibles tras una cirugía refractiva. En este trabajo, describimos el caso de un paciente del sexo masculino sometido a la cirugía refractiva (LASIK) usando la técnica de monovisión y que dos años después desarrolló estrabismo y diplopía persistente, aún tras la corrección de la monovisión mediante una nueva cirugía refractiva, siendo necesaria la cirugía de estrabismo.

Palabras-clave: Diplopía; Estrabismo; LASIK.

INTRODUÇÃO

Em todo o mundo, a cirurgia refrativa é cada vez mais utilizada como alternativa ao uso de óculos e lentes de contato. Complicações como ectasia, infecção e descompensação de córnea são amplamente conhecidas pelos médicos e pela população. Por outro lado, a diplopia e o estrabismo decorrentes da cirurgia refrativa são menos conhecidos como possíveis complicações, com significativo impacto negativo na vida dos pacientes. Repercussões na vida pessoal e profissional são devastadoras, e seguramente interferem de maneira desfavorável na relação médico-paciente e na percepção que a sociedade tem dos oftalmologistas.

A diplopia pode ser temporária, porém na maioria dos casos é persistente, exigindo outro procedimento refrativo para melhora do quadro ou a correção cirúrgica do estrabismo. É importante ressaltar que, embora raros, existem casos de diplopia intratável. O tempo de aparecimento da diplopia após o procedimento refrativo pode ser de alguns dias até alguns anos.

 

OBJETIVO

Relatar um caso de diplopia e estrabismo em paciente submetido à cirurgia refrativa utilizando a técnica de monovisão.

 

DETALHAMENTO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 45 anos, refere diplopia e estrabismo há três anos. Há 15 anos operado de miopia (apresentava -3,00DE em ambos os olhos), e há cinco anos submetido a "retoque cirúrgico" (sic).Figuras 1 e 2.

 


Figura 1. Óculos com prismas. ET OD.

 

 


Figura 2. Sem correção, antes da cirurgia refrativa.

 

• Óculos atuais: 9 BT AO.

• Refração: OD: -2,75 DE 1,0.

• OE:+0,75DE - 0,75 DC x 120o1,0.

• ET prefere OE.

• Prisma e Cover sem óculos: FOD=FOE: ET 25 D/E 4Δ. Idem para perto.

• Mesma medidas em todas as posições do olhar, inclusive com inclinação da cabeça para direita e esquerda.

• Medidas se mantêm com a correção da monovisão.

• Fusão com medida objetiva.

• CD – Corrigir a monovisão.

• Submetido a LASIK OD.

Nova avaliação aproximadamente seis meses após a cirurgia refrativa:

• Sem melhora do desvio e diplopia.

• AV AO 1,0 s/c.

• Refração OD:-0,25DC x 900 1,0.

• OE:+0,75-0,75 x 180o 1,0.

• PrC para longe: ET 20 D/E4Δ.

• PrC para perto: ET' 20Δ.

• CD – Cirurgia para correção do estrabismo.

• Retrocesso 4,0mm reto medial direito/ressecção 4,5mm reto lateral direito.

• Pós-operatório de um ano.

• Ortoforia para longe e para perto.

• Titums 50' arco (Figura 3).

 


Figura 3. Pós-operatório de um ano da cirurgia de estrabismo.

 

DISCUSSÃO

Há diversos fatores que podem desequilibrar o sistema oculomotor após a cirurgia refrativa. Em geral, esses pacientes apresentam previamente distúrbios da visão binocular, e a cirurgia refrativa atua descompensando um quadro anteriormente compensado. As principais causas de descompensação são: correção indesejada da refração, efeito prismático por uma ablação descentrada, aumento da demanda acomodativa, anisometropia, eliminação da supressão e alteração da dominância ocular1.

Em um trabalho com 28 pacientes com diplopia pós-cirurgia refrativa, os autores relataram a presença desses fatores, e ressaltaram a importância de sistematicamente examinar esses pacientes antes da cirurgia refrativa, buscando a presença de distúrbio da oculomotricidade, como por exemplo, uso de prisma nos óculos, que muito frequentemente é desconhecido pelo cirurgião e pelo paciente2.

A ocorrência de diplopia após a cirurgia refrativa é rara (alguns estudos estimam em 0,12%) e muito frequentemente esse dado não é discutido com o paciente previamente3. Mais importante ainda, o exame da oculomotricidade é muitas vezes esquecido ou negligenciado pelo cirurgião refrativo. Sendo assim, poderão existir implicações legais, por não ter esclarecido os pacientes e não ter realizado exames prévios que poderiam contra indicar ou estabelecer um risco aumentado para tal complicação.

No presente caso, o paciente não apresentava antecedentes de estrabismo, e após a correção cirúrgica da monovisão e do estrabismo sua visão binocular estava normal. Estes dados sugerem que o período prolongado de monovisão de tal magnitude, foi o agente causal do desequilíbrio oculomotor. O grau de anisometropia induzida é diretamente relacionado com os efeitos deletérios na visão binocular. Em um estudo, foi encontrado que pacientes com uma diferença menor de 1,50D entre os olhos apresentavam estereopsia de 100 segundos de arco, enquanto aqueles com uma diferença maior ou igual a 1,50D apresentavam valores de 150 segundos de arco4.

Em relação ao tempo para o surgimento do estrabismo após a monovisão ser instituída, tivemos neste paciente um período de dois anos. Na literatura este período varia de três meses a dois anos, sendo que alguns pacientes recuperaram a fusão simplesmente eliminando-se a monovisão através de nova cirurgia refrativa, enquanto outros necessitaram ser submetidos à correção cirúrgica do estrabismo para o restabelecimento da binocularidade. Um dos pacientes não foi capaz de recuperar a fusão, mesmo com alinhamento ocular obtido com a cirurgia de estrabismo5.

Como após seis meses da resolução da monovisão o paciente persistia com o quadro, optou-se por sua correção cirúrgica. Alguns autores recomendam que se em quatro meses após a correção da monovisão não há melhoria do estrabismo, que a cirurgia para sua correção seja realizada5.

Considerando todos os fatores envolvidos no aparecimento de diplopia após o procedimento refrativo, todos os pacientes candidatos a essa cirurgia devem ser avaliados do ponto de vista do sistema oculomotor. A partir dessa avaliação, pode-se classificar o caso em questão em risco baixo, médio ou alto de apresentar diplopia e estrabismo, conforme autores2 para tomar medidas para minimizar o impacto da cirurgia refrativa no sistema oculomotor.

A seguir, a classificação proposta por tais autores:

• Risco baixo: Míopes (< de 4,00 DE de anisometropia), história negativa de estrabismo e diplopia, sem história de uso de prismas, sem heteroforiano cover teste, diferença entre refração usada e sob cicloplegia ≤ a 0,50DE.

• Risco médio: Hipermétropes, planejamento de monovisão e míopes hipercorrigidos.

• Risco alto: História de estrabismo, hipermétropes com baixa capacidade fusional, hipermetropia hipo ou hipercorrigido.

Algumas medidas preventivas para evitar tal complicação são: acertar a correção antes da cirurgia, não deixar o olho dominante em desvantagem funcional, evitar hipercorreção da miopia e subcorreção da hipermetropia, avaliar a capacidade fusional em determinados pacientes, e testar a monovisão com lente de contato em pacientes com risco. Tal teste para monovisão não garante a possibilidade de que não ocorra o desequilíbrio do sistema oculomotor. Como aconteceu no caso aqui apresentado, e é relatado por outros autores, o surgimento de diplopia nesses pacientes pode demorar anos para ocorrer5. Outra hipótese a ser considerada no presente caso é que o paciente tivesse baixa amplitude fusional, compensada, antes da monovisão, e esta baixa amplitude, associada à anisometropia de tal magnitude, por um período prolongado, foi a responsável pelo transtorno do sistema oculomotor.

Outro trabalho sugere, para evitar o desequilíbrio da visão binocular, não mudar a dominância natural e, ao se operar ambos os olhos em diferentes tempos cirúrgicos, operar sempre o olho dominante primeiro6.

Embora não se possa eliminar a possibilidade de diplopia após cirurgia refrativa, é de fundamental importância considerar a ocorrência de tal complicação, examinando cuidadosamente os pacientes em busca de problemas da oculomotricidade, para assim conversar e orientar cada caso adequadamente. Dessa forma, evita-se o impacto potencialmente devastador na vida destes pacientes.

 

REFERÊNCIAS

1. Gómez de Liaño-Sánchez R, Borrego-Hernando R, Franco-Iglesias G, Gómez de Liaño-Sánchez P, Arias-Puente A. Strabismus and diplopia after refractive surgery. Arch Soc Esp Oftalmol. 2012 Nov;87(11):363-7.

2. Kushner BJ, Kowall L. Diplopia after refractive surgery: occurrence and prevention. Arch Ophthalmol. 2003 Mar;121(3):315-21.

3. Minnal VR, Rosemberg JB. Refractive surgery: a treatment for a cause of strabismus. Curr Opin Ophthalmol. 2001 Jul;22(4):225-5.

4. Fawcett SL, Herman WK, Alfieri CD, Castleberry KA, Parks MP, Birch EE. Stereoacuity and foveal fusion in adults with long-standing surgical monovision. J AAPOS. 2001 Dec;5(6):342-7.

5. Pollard ZF, Greenberg MF, Bordenca M, Elliott J, Hsu V. Strabismus precipited by monovision. Am J Ophthalmol. 2011 Sep;152(3):479-482.e1.

6. Cunha RNP, Isoldi IE, Cunha M. Alterações motoras após cirurgia refrativa no paciente estrábico. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(3):507-508.

 

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 27 de Maio de 2019.
Aceito em: 10 de Julho de 2019.


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