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Corticosteroides e a cirurgia de catarata

Corticosteroids and Cataract Surgery

Felipe Roberto Exterhotter Branco1; Otávio Siqueira Bisneto2; Hamilton Moreira - Hospital de Olhos do Paraná3

DOI: 10.17545/eOftalmo/2017.95

RESUMO

Com a utilização dos corticosteroides oftálmicos é possível controlar vários eventos inflamatórios associados à cirurgia de catarata e melhorar o seu prognóstico. No entanto, o uso dos corticosteroides pode desencadear outros eventos adversos que podem ocorrer com todas as vias de administração e com todas as preparações oftálmicas disponíveis no momento. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa e Catarata (ABCCR/ BRASCS) com esta importante revisão sobre o tema oferece o que há de mais atual a respeito do uso de corticosteroides em pacientes submetidos à cirurgia de catarata.

Palavras-chave: Catarata, facoemulsificação; Corticosteroides/administração & dosagem; Corticosteroides/toxicidade.

ABSTRACT

Many inflammatory events associated with cataract surgery can be controlled through the use of corticosteroids, thereby improving their prognosis. However, the use of corticosteroids may trigger other adverse events, which may occur with any route of administration and with all ophthalmological corticosteroid formulations currently in the market. With this important review of the topic, the Brazilian Society for Cataract and Refractive Surgery offers the most recent information on the use of corticosteroids in patients who have undergone cataract surgery.

Keywords: Cataract, phacoemulsification; Adrenal Cortex Hormones/ administration & dosage; Adrenal Cortex Hormones/ toxicity.

INTRODUÇÃO

A cirurgia de catarata está entre as cirurgias eletivas mais realizadas no mundo. Assim como todas as cirurgias, ela induz uma resposta inflamatória. O mau controle dessa inflamação pode levar a consequências indesejáveis como sinéquias, uveíte e glaucoma secundário.1

Para o manejo da inflamação induzida pela cirurgia, existem duas classes de drogas: os anti-inflamatórios esteroidais (corticosteroides) e os não-esteroidais (AINEs). 1

Uma das preocupações em relação ao uso dos corticosteroides, por qualquer via de administração, é o risco incerto do aumento da pressão intraocular (PIO). Sabe-se que os esteroides causam alterações na trama trabecular, reduzindo o fluxo de humor aquoso, podendo assim elevar a PIO.2,3

O conceito “dropless surgery”, no qual se almeja um pós-operatório sem a necessidade do uso de colírios antibióticos e anti-inflamatórios, está cada vez mais sendo pesquisado.2 A posologia das medicações pós-operatórias atuais e a dependência da colaboração do paciente muitas vezes prejudica a eficácia do tratamento tópico. Além disso, a absorção corneana e a variação das concentrações atingidas no humor aquoso por colírios podem atrapalhar no controle da inflamação.4,5 Diversas vias de administração de drogas estão sendo estudadas, apresentando resultados promissores.

Em olhos com histórico de uveíte, a cirurgia de catarata acrescenta riscos e desafios perioperatórios, com pior prognóstico cirúrgico em geral. Olhos com inflamação ativa em um período de três meses antes da cirurgia tendem a apresentar maior edema macular.6

Nesta sessão, será abordado o que há de atual a respeito do uso de esteroides na cirurgia de catarata.

Esteroides e AINEs tópicos

Em diversos serviços oftalmológicos no Brasil e no mundo, é rotineira a prescrição de colírio antibiótico com esteroide combinados no pós-operatório de cirurgia de catarata, associado a um AINE tópico.

Tanto os esteroides quanto os AINEs atuam na cascata inflamatória, a qual se presume ser uma das causas do edema macular cistoide pós-operatório (EMC).7

As evidências mostram que a associação do AINE ao corticosteroide tem melhores resultados no controle inflamatório e, principalmente, na prevenção e controle do EMC, do que o uso isolado do corticosteroide, tanto em cirurgias de rotina quanto em cirurgias complicadas, uma vez que os AINEs seriam mais efetivos no controle do EMC.1,7,8

Existem estudos com qualidade de evidência baixa a moderada, mostrando que o uso isolado de AINE como anti-inflamatório no pós-operatório pode ser tão eficiente quanto o uso dele combinado com anti-inflamatório esteroidal, em relação ao flare, EMC, PIO e contagem de células endoteliais.7,9 Analisando o flare isoladamente, parece não haver diferenças significativas entre o uso de AINE, esteroides e a combinação dos dois em até três meses da cirurgia. Alguns autores sugerem ainda que esteroides não são absolutamente necessários no pós-operatório de cirurgia de catarata e, usar somente AINE como anti-inflamatório, diminuiria os riscos do efeito colateral dos corticosteroides como aumento de PIO e susceptibilidade às infecções por meio do mecanismo imunossupressor. 9 Sabe-se que o uso tópico de dexametasona a 1% por um período de 4 a 6 semanas pode causar hipertensão ocular em 40% dos olhos não-glaucomatosos e em quase 100% dos olhos que possuem glaucoma de ângulo aberto ou glaucoma de pressão normal.3 Apesar dessas evidências, a substituição total do corticosteroide pelo AINE não é uma rotina seguida pela maioria dos cirurgiões, devido aos comprovados benefícios da associação entre as duas classes.7,8,10

Esteroides e o endotélio corneano

Aparentemente, os corticosteroides têm se demonstrado seguros para o endotélio corneano durante o período padrão de uso após a cirurgia de catarata, independentemente da via de acesso,11,12,13 até mesmo com o uso tópico intensivo (1/1h) na primeira semana.13 Quando injetados por via intracameral, estes devem ser utilizados sem conservantes.14

Foi demonstrado in vitro que a triancinolona foi tóxica ao endotélio quando a solução apresentava álcool benzílico como conservante.12 Em olhos de coelho, triancinolona intracamerular 4mg/0,1ml reduziu microvilos mas não teve diferença estatisticamente significativa na contagem de células endoteliais e na espessura corneana central.11

Esteroides e Síndrome de disfunção lacrimal

Em estudo comparando colírios com e sem conservantes de fluormetolona a 0,1% e hialuronato de sódio a 0,1%, usados após cirurgia de catarata, em pacientes com síndrome de disfunção lacrimal, foi concluído que colírios sem conservantes podem melhorar os sinais e sintomas da disfunção lacrimal após a cirurgia de catarata, provavelmente tendo a fluormetolona sem conservantes propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes sobre o filme lacrimal.14

Esteroides tópicos e sistêmicos

Pacientes com uveíte e/ou doenças inflamatórias sistêmicas prévias têm maior chance de desenvolver um quadro inflamatório exacerbado no pós-operatório do que pacientes sem comorbidades.6,15

Em cirurgias de catarata de pacientes com histórico de uveítes não infecciosas, o uso intensivo de esteroide tópico na primeira semana pós-operatória (prednisolona a 1% de 1/1h) parece ter o mesmo índice de recorrência da doença que o uso desse mesmo esquema associado ao esteroide via oral. A variação da PIO, a acuidade visual e a espessura macular central também foram comparáveis.16 Com isso, o esteroide via oral não acrescentaria benefícios extras no pós-operatório desses pacientes. Porém, considerando-se que o risco de elevação da PIO é dose-dependente,3,17 o uso intensivo de corticosteroides poderia aumentar perigosamente a PIO.

Em olhos com uveíte em atividade recente, curtos cursos de corticoide oral (dois dias antes da cirurgia), tendem a reduzir a incidência de edema macular.6 Em relação ao controle inflamatório, o uso sistêmico parece ser menos efetivo comparado às vias intracameral e subconjuntival.15

A recomendação típica é postergar a cirurgia de catarata até que a uveíte tenha estado inativa por um período mínimo de três meses e pré-tratar os pacientes com corticoides sistêmicos brevemente antes da cirurgia, e por um curto período posterior. O método de abordagem cirúrgica, o posicionamento intracapsular da LIO, o material da LIO não sendo silicone, e o fato de a uveíte não ser recente, são fatores que foram associados a melhor prognóstico cirúrgico.6

Esteroides intracamerais

Fármacos intracamerais devem ser usados sem conservantes.6,14 O uso intracameral de antibióticos já é bastante difundido na literatura, havendo serviços, principalmente europeus, nos quais foi abolido o antibiótico tópico no pós-operatório de cirurgias de catarata, uma vez que esses estariam apenas contribuindo para seleção de cepas mais resistentes.18

Corticosteroides intracamerais têm sido amplamente utilizados para cirurgia de catarata pediátrica e cirurgia de catarata complicada em adultos, situações nas quais se espera uma reação inflamatória maior.19,20,21 Porém, é questionável o uso desses em cirurgias sem intercorrências em adultos sem comorbidades, uma vez que o anti-inflamatório tópico já é eficiente no controle da inflamação pós-operatória.1

Os corticosteroides intracamerais como a triancinolona geram insegurança no seu uso devido ao risco de aumento da PIO no pós-operatório, risco este bem relatado quando essas drogas são aplicadas por outras vias de administração, seja a curto ou médio prazo.22 Por esse motivo, alguns autores passaram a estudar os efeitos da dexametasona na aplicação intracameral.11 Porém, diversos estudos estão apresentando mínimo ou inexistente efeito dos corticosteroides em geral na variação da PIO, quando estes são usados em baixas concentrações pela via intracameral,15,19,20,23,24 mesmo em olhos com glaucoma.4

Dexametasona ou triancinolona intracamerais têm sido associadas a melhor controle da inflamação pós-operatória.23 Implantes intracapsulares de dexametasona também parecem ter bons resultados nesse sentido,25 porém a dificuldade técnica do posicionamento do implante e a escassez de estudos limitam seu uso.

A dexametasona é um esteroide de rápido "turnover" e curta meia-vida, o que ajudaria a minimizar os riscos de aumento da PIO e efeitos corneanos, como os que ocorrem por uso prolongado de corticosteroide tópico. Essa droga tem sido utilizada na concentração de 0,4mg/0,1ml para uso intracameral, injetado no final da cirurgia, reduzindo significantemente a inflamação no primeiro dia após a cirurgia, além de parecer segura para olhos glaucomatosos.4,11,26 O uso de dexametasona na dosagem de 0,4mg/0,1ml intracameral se mostrou seguro para o endotélio, comparado ao uso subconjuntival (2mg/0,5ml) da mesma droga. 26

A triancinolona tem propriedades anti-inflamatórias similares a prednisolona tópica.27 Ela tinge o vítreo anterior, podendo ser usada para facilitar remoção vítrea quando há rotura do saco capsular ou desinserção zonular.11,21 Nesses casos de cirurgia complicada, a triancinolona pareceu segura no controle de EMC e PIO a longo prazo.21 Devido a esta propriedade de tingir o vítreo, há a possibilidade do paciente ter queixas de moscas volantes ou borramento visual na primeira semana pós-operatória, mesmo quando não houver complicação cirúrgica, devido a passagem transzonular.2 São descritas na literatura concentrações utilizadas de triancinolona intracameral de 0,04mg/0,1ml para prevenção de inflamação no pós-operatório imediato3 e de 2mg28 a 4mg/0,1ml em crianças19,20,11, como dose substitutiva ao esteroide tópico.17

Nas cirurgias de catarata pediátrica, é indicada a realização de capsulotomia posterior e vitrectomia anterior rotineiramente. A triancinolona, além de facilitar a visualização e remoção completa do vítreo, minimizando intercorrências pós-operatórias, tem demonstrado benefícios como menor inflamação da câmara anterior e menos depósitos de pigmento na LIO nesses pacientes.19,20 Seu uso foi fundamental em recente estudo de catarata traumática em crianças,28 no qual não foi observada formação de sinéquias posteriores, formação de fibrina e/ou opacidade de eixo visual no grupo em que foi utilizado este corticosteroide, o que ocorreu no grupo controle com significância estatística.

Em cataratas pós-uveíte, alguns estudos mostram que a triancinolona intracameral parece ser mais efetiva no controle da inflamação pós-operatória do que o uso sistêmico de metilprednisolona ou subconjuntival de esteroides. O uso intracameral parece ser o que menos eleva a PIO e o que melhor controla o EMC.15

Esteroides subconjuntivais e subtenonianos

Tanto os esteroides tópicos quanto os subconjuntivais são bastante utilizados para prevenir a inflamação pós-operatória. Porém, a aplicação subconjuntival pode ser dolorosa em casos de anestesia tópica, além de poder causar hiposfagma e quemose.11

A duração prolongada de ação dos corticosteroides subtenonianos pode prejudicar a segurança do controle da PIO em olhos glaucomatosos, nos quais esse controle deve ser rigoroso. Há relatos de aumento da PIO sem resposta a terapia após injeção de triancinolona subconjuntival.4

Em cirurgias de catarata rotineiras, sem intercorrências e em pacientes sem comorbidades, alguns autores relatam que não houve diferenças significativas entre o uso de metilprednisolona subconjuntival e o regime padrão de prednisolona tópica no pós-operatório, em relação à inflamação, EMC e PIO.29 O mesmo é relatado para a triancinolona subconjuntival7 e subtenoniana.27

Nos casos de uveíte anterior prévia, a betametasona subconjuntival associada ao tratamento tópico convencional mostrou significante redução da inflamação do segmento anterior no primeiro pós-operatório.4

Esteroides intravítreos

Esteroides intravítreos são utilizados principalmente para profilaxia ou tratamento de edema macular. Todos os esteroides intravítreos podem causar aumento da PIO, mas a maioria dos casos pode ser controlada com medicação antiglaucomatosa.3, 22

A injeção intravítrea de triancinolona 4mg se tornou um tratamento estabelecido para diversas condições que causam edema macular, mas agora é reconhecido que o aumento da PIO pós-operatória é uma ocorrência comum, 22 devido à ação prolongada e concentrações detectadas por até 3 meses após a cirurgia.3,4 Em torno de 50% dos olhos a pressão pode elevar em 30% do valor basal, e 12% alcançam 35mmHg de pressão. Esse aumento geralmente ocorre nos dois primeiros meses da aplicação. 22

Um estudo multicêntrico, analisando o uso de esteroides no tratamento de uveítes, publicado em 2016 na Ophthalmology, analisou o implante de Fluocinolona 0,59mg intravítreo (Retisert®, Bausch & Lomb, Rochester, NY), no pré-operatório de cirurgia de catarata. Esse esteroide libera gradualmente níveis controlados de corticoide ocular por três anos ou mais. A cirurgia de catarata resultou em melhora substancial e sustentável da visão tanto com implante de fluocinolona, quanto com o tratamento sistêmico padrão (esteroides e imunossupressores orais) nas uveítes intermediárias, posteriores e panuveítes.6 Porém, uma revisão sistemática encontrou 66% de olhos com hipertensão ocular após o implante.3

Para o EMC pós-operatório, o implante de dexametasona 0,7mg intravítreo (OzurdexTM, Allergan Inc., Irvine, CA), foi eficaz em reduzir o edema macular e melhorar a acuidade visual, independentemente do tempo de duração do edema macular no período de 1 ano. Porém, pode haver recorrência do edema em um tempo médio de três meses após o implante, podendo ser necessária nova aplicação.30

Com isso, OzurdexTM poderia ser uma boa alternativa para o EMC refratário ao tratamento tópico convencional.31 O índice encontrado de hipertensão ocular após o implante de OzurdexTM foi de 15%.3

Esteroides transzonulares e outras abordagens

Nos Estados Unidos existe uma solução preparada de triancinolona com moxifloxacino para uso transzonular (TriMoxiTM, Imprimis Pharmaceuticals, California, USA), baseada no conceito “dropless surgery”.2

Porém, o risco de aumento da PIO induzido pelo corticosteroide preserva a insegurança de seu uso por muitos oftalmologistas. As gotas são facilmente descontinuáveis, enquanto a aplicação transzonular não. Estudos mostram que o risco de aumento da PIO com o uso de triancinolona é dose-dependente, e os estudos mostrando essa característica com a dose transzonular ainda são escassos.2 Além disso, estudos randomizados têm mostrado que AINEs são superiores a corticosteroides na redução do edema macular cistoide,1,7 ou seja, o paciente não estará independente do colírio no pós-operatório.

Um estudo brasileiro utilizou o implante OzurdexTM (dexametasona 0,7mg) intracapsular, após o implante da LIO, para comparar com o olho contralateral, no qual foi utilizado dexametasona tópico conforme protocolo. Os implantes foram cortados ao meio para ficarem com tamanho de 3mm. Alguns foram suturados na áptica da LIO com nylon 10-0. Alguns dos implantes que não foram suturados tiveram deslocamento para a câmara anterior, necessitando reintervenção. O implante foi efetivo no controle da inflamação, sem aumentar os efeitos colaterais, porém, pouco viável devido à necessidade de sutura.25

Há relatos também da utilização de OzurdexTM no canalículo lacrimal durante a cirurgia, com intuito de diminuir a dor e a inflamação pós-operatória.32.

 

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Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 27 de Fevereiro de 2017.
Aceito em: 27 de Fevereiro de 2017.


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