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Casos Clínicos Discutidos

Bloqueio pupilar intermitente secundário à síndrome de Weill-Marchesani: um desafio diagnóstico e terapêutico

Intermittent pupillary block secondary to Weill-Marchesani syndrome: a diagnostic and therapeutic challenge

Amanda Geara1; Vanessa Nicola Labrea2; Eric Vieira3; Liana Grupenmacher Iankilevich4; Luiz Fernando Interaminense Garbers4

DOI: 10.17545/eOftalmo/2023.0046

RESUMO

A síndrome de Weill-Marchesani consiste em uma patologia congênita sistêmica rara que pode apresentar um padrão de herança autossômica recessiva ou dominante. Acomete o tecido conjuntivo de diferentes órgãos, entre eles os olhos, levando a alterações em padrões anatômicos e subsequentes complicações. O presente artigo relata o caso de uma paciente feminina de 24 anos com crises intermitentes de bloqueio pupilar em ambos os olhos. Descreve-se o diagnóstico de síndrome de Weill-Marchesani, assim como o manejo clínico-cirúrgico da doença, cujo desfecho envolveu iridotomia e cirurgia de catarata. Destaca-se a importância do conhecimento do curso da doença pelo oftalmologista, assim como a realização do diagnóstico precoce, dado que suas complicações podem ser de alta gravidade oftalmológica se não manejadas adequadamente.

Palavras-chave: Weill-Marchesani; Glaucoma; Microesferofacia; Ectopia Lentis.

ABSTRACT

The Weill-Marchesani syndrome consists of a rare systemic congenital pathology that can present an autosomal recessive or dominant pattern of inheritance. It affects the connective tissue of different organs, including the eyes, leading to changes in anatomical patterns and subsequent complications. This article reports the case of a 24-year-old female patient with intermittent episodes of pupillary block in both eyes. The diagnosis of Weill-Marchesani syndrome is described, as well as the clinical-surgical management of the disease, whose outcome involved iridotomy and cataract surgery. The importance of knowledge of the course of the disease by the ophthalmologist is highlighted, as well as the performance of an early diagnosis, given that its complications can be of high ophthalmological severity if not properly managed.

Keywords: Weill-Marchesani; Glaucoma; Microspherophakia; Ectopia Lentis.

INTRODUÇÃO

Conhecida também como distrofia mesodérmica congênita, a síndrome de Weill-Marchesani (SWM) trata-se de uma rara doença sistêmica que acomete o tecido conjuntivo. Obteve seus primeiros relatos em 1932 e em 1939 por Weill e Marchesani, e possui como características fenotípicas a baixa estatura, braquidactilia e rigidez articular1. A alteração oftalmológica comumente presente é a microesferofacia, a qual pode propiciar quadros de fechamento pupilar intermitente1,2.

Embora rara, a SWM pode afetar diversos órgãos e tecidos, devendo ser prontamente suspeitada e reconhecida quando presente. O acompanhamento também com outras especialidades médicas é essencial, visando a procura de alterações sistêmicas associadas. Relatamos o caso de uma paciente com crises de fechamento angular secundárias à SWM e realizamos uma revisão sobre a patologia. Discutimos a intervenção cirúrgica desafiadora realizada, e salientamos a importância do conhecimento desta doença e seu manejo precoce na prática do oftalmologista.

 

RELATO DE CASO

Paciente J.C.C.S., 24 anos, feminina, apresentou-se em dezembro de 2020 em nosso serviço com queixa de crises de dor ocular em ambos os olhos (AO). A paciente negava comorbidades e uso de medicamentos contínuos. Relatou história de dois irmãos com patologias oftalmológicas desconhecidas. A paciente apresentava baixa estatura (156 centímetros) e braquidactilia.

Ao exame oftalmológico, a acuidade visual na melhor correção (AVCC) era de 20/30 em olho direito (OD), com refração de -13,00 esférico, -1,25 cilíndrico a 20 graus, e 20/30 em olho esquerdo (OE), com refração de -15,00 esférico, -1,75 cilíndrico a 125 graus. À biomicroscopia, foi observada microesferofacia (Figura 1), câmara anterior rasa (Figuras 2 e 3) e golden ring (Figura 4) em cristalino. O restante do exame apresentava-se normal, com ausência de facodonese ou outros comemorativos.

 


Figura 1. Microesferofacia evidenciada em biomicroscopia.

 

 


Figura 2. Estreitamento de câmara anterior demonstrado na biomicroscopia pré-operatória de facoemulsificação.

 

 


Figura 3. Aumento do diâmetro anteroposterior da câmara anterior demonstrado na biomicroscopia pós-operatória de facomulsificação.

 

 


Figura 4. Golden ring em região temporal evidenciado na biomicroscopia.

 

A pressão intraocular era de 13mmHg em OD e 14mmHg OE; e o ângulo iridocorneano apresentava-se aberto em 360 graus em ambos os olhos na gonioscopia. O exame de fundoscopia estava normal e denotou relação escavação/disco de 0,3. O quadro clínico levantou a suspeita de SWM, a qual estaria causando episódios intermitentes de bloqueio pupilar em ambos os olhos. Foi então realizada iridotomia AO e avaliação com cirurgião de catarata.

Posteriormente, a paciente foi tratada através de facoemulsificação com capsulotomia anterior por femtosegundo em olho esquerdo (Figuras 5 e 6). Durante o procedimento, foi necessário implantar um anel de tensão capsular devido deiscência zonular, característica da síndrome. Uma lente intraocular tórica foi implantada no saco capsular. Após um mês do procedimento, a paciente apresentava-se assintomática e com acuidade visual sem correção de 20/25 no olho operado. Foi possível a visualização do aumento da câmara anterior à biomicroscopia. A paciente segue em acompanhamento oftalmológico, com plano de abordagem com facoemulsificação em olho contralateral.

 


Figura 5. Estreitamento de câmara anterior evidenciado em OCT de segmento anterior (pré-operatória de facoemulsificação).

 

 


Figura 6. Aumento e normalização do tamanho da câmara anterior evidenciado em OCT de segmento anterior (pós-operatória de facoemulsificação).

 

DISCUSSÃO

A SWM, uma doença sistêmica rara, com prevalência estimada de 1:100.000, é caracterizada pelo acometimento do tecido conjuntivo em diversos órgãos. Possui herança autossômica recessiva, relacionada aos genes ADAMTS-10, ADAMTS-17 e LTPBP2, ou ainda, herança autossômica dominante, que por sua vez está ligada ao polimorfismo no gene FBN1, o mesmo da síndrome de Marfan1. Seu diagnóstico costuma ser clínico, porém a pesquisa de tais genes pode auxiliar em casos onde o quadro é inconclusivo.

Clinicamente, a síndrome apresenta-se com baixa estatura, braquidactilia (Figura 7), rigidez articular e alterações oftalmológicas1-3. Dentre estas, a microesferofacia, caracterizada por cristalino pequeno e circular, está presente em até 94% dos pacientes e pode resultar em miopia lenticular, ectopia lentis, descolamento de retina e glaucoma por bloqueio pupilar1,2,4. A ectopia lentis, comumente inferior, aparece em geral no final da infância e início da vida adulta1,2. A Síndrome de Marfan e a Homocistinúria, doenças que também podem levar a ectopia lentis entram no diagnóstico diferencial dessa patologia.

 


Figura 7. Braquidactilia.

 

A fisiopatologia da doença, atualmente, é explicada por um corpo ciliar pequeno e zônulas alongadas, o que leva à menor força de tração sobre o cristalino e, consequentemente, um formato circular do mesmo. Essas alterações estão ligadas a uma maior mobilidade da lente, o que gera a anteriorização dessa estrutura e o bloqueio pupilar, que pode ser agravado ou complicado pela terapia com mióticos, devendo, portanto, ser criteriosa a prescrição desses na suspeita dessa condição5.

O manejo da SWM inclui principalmente evitar o bloqueio pupilar, ao qual esses pacientes estão predispostos. Na crise aguda do bloqueio pupilar, com intuito de revertê-lo, pode-se tentar opções não cirúrgicas, tais como manutenção do paciente em posição supina, deslocamento posterior manual do cristalino, medicações supressoras do humor aquoso e analgesia. A iridectomia/iridotomia, assim como a iridoplastia, auxiliam, porém não resolvem o mecanismo causador, sendo necessária a lensectomia em um segundo momento, cirurgia que se torna complexa devido as características anatômicas oculares presentes na síndrome6.

A fragilidade zonular que pode estar presente, associada à microesferofacia e à diminuição da profundidade da câmara anterior, podem tornar a facoemulsificação desafiadora nestes pacientes7,8. A escolha de um implante de anel de tensão capsular depende da presença e extensão de deiscência zonular7,9. No caso em questão, foi optado pelo uso do mesmo, o qual contribuiu para o sucesso do procedimento.

No exame de biomicroscopia com a pupila dilatada, a visualização de reflexo dourado nas margens do cristalino na retroiluminação ("golden ring")10,11 ocorre devido à microesferofacia, e deve sempre levantar a suspeita de SWM, especialmente em pacientes com alta miopia, e mais ainda se esta estiver associada à baixa estatura e/ou braquidactilia, como era o caso da paciente. Em casos já complicados como o relatado, o atraso no tratamento cirúrgico pode piorar o prognóstico visual devido às crises de glaucoma agudo por bloqueio pupilar12 e pela progressiva lesão endotelial decorrente do toque lenticulocorneano em casos de luxação anterior do cristalino.

Visto que os sintomas oftalmológicos são característicos, o paciente com SWM pode apresentar-se primeiro ao oftalmologista, o que possibilita e salienta a importância de um diagnóstico precoce realizado por este, e encaminhamento para demais especialidades clínicas envolvidas. O manejo precoce do acometimento oftalmológico desses pacientes é de extrema relevância para evitar complicações graves13, como glaucoma agudo e a cegueira. Sendo necessária a intervenção cirúrgica, em casos já complicados, o planejamento da mesma deve ser meticuloso devido à natureza desafiadora das alterações anatômicas peculiares da síndrome.

 

REFERÊNCIAS

1. Marzin P, Cormier-Daire V, Tsilou E. Weill-Marchesani Syndrome. 2007 Nov 1 [updated 2020 Dec 10]. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE, Bean LJH, Stephens K, Amemiya A, editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2020.

2. Chang BM, Liebmann JM, Ritch R. Angle closure in younger patients. Trans Am Ophthalmol Soc. 2002:100: 201-12; discussion 212-4.

3. Verloes A, Hermia JP, Galand A, Koulischer L, Dodinval P. Glaucoma-lens ectopia-microspherophakia-stiffness-shortness (GEMSS) syndrome: a dominant disease with manifestations of Weill-Marchesani syndromes. Am J Med Genet. 1992;44(1):48-51.

4. Faivre L, Dollfus H, Lyonnet S, Alembik Y, Mégarbané A, Samples J, et al. Clinical homogeneity and genetic heterogeneity in Weill-Marchesani syndrome. Am J Med Genet. 2003 Dec 1;123A(2): 204-207.

5. Jensen AD, Cross HE, Paton D. Ocular complications in the Weill-Marchesani syndrome. Am J Ophthalmol. 1974;77(2):261-9.

6. Ritch R, Solomon LD. Argon laser peripheral iridoplasty for angleclosure glaucoma in siblings with Weill-Marchesani syndrome. J Glaucoma. 1992;1(4):243-247.

7. Groessl SA, Anderson CJ. Capsular tension ring in a patient with Weill-Marchesani syndrome. J Cataract Refract Surg. 1998;24(8):1164-1165.

8. Chung JL, Kim SW, Kim JH, Kim TI, Lee HK, Kim EK. A case of Weill-Marchesani syndrome with inversion of chromosome 15. Korean J Ophthalmol. 2007;21(4):255-260.

9. Cionni RJ, Osher RH. Endocapsular ring approach to the subluxed cataractous lens. J Cataract Refract Surg. 1995;21(3):245-249.

10. Singh S, Yangzes S, Ram J. The golden ring. Oman J Ophthalmol. 2019;12(2):141.

11. Nayak B, Sinha G, Patil B, Khokhar S. Golden ring in the eyes: Weill-Marchesani syndrome. BMJ Case Rep. 2015 May 24:2015:bcr2015210547.

12. Abdi R, Bourakba S, Chariba S, Maadan A, Sekhsoukh R. [A case of secondary glaucoma in Weill-Marchesani syndrome]. J Fr Ophtalmol. 2020;43(3):e109-11.French.

13. Shahriar NA, Roy SR. Timely diagnosis of Weill-Marchesani syndrome can preserve vision and prevent complication: A case report. BIJCROO. 2022;1(1):26-8.

 

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES
» Amanda Geara
http://orcid.org/0000-0001-7056-3958
http://lattes.cnpq.br/2614558505262993
 
» Vanessa Nicola Labrea
http://orcid.org/0000-0003-2158-6920
http://lattes.cnpq.br/0724349260025686
 
» Luiz Fernando Interaminense Garbers
http://orcid.org/0000-0003-0239-4149
http://lattes.cnpq.br/4945236956766062
 
» Eric Vieira
http://orcid.org/0000-0001-6856-5073
http://lattes.cnpq.br/8518586929681594
 
» Liana G. Iankilevich
http://orcid.org/0000-0003-2287-3788
http://lattes.cnpq.br/7740035733089770

 

 

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 10 de Outubro de 2022.
Aceito em: 11 de Outubro de 2023.


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