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Casos Clínicos Discutidos

Dupla paralisia unilateral dos elevadores do olho direito: relato de caso

Double elevator palsy of the right eye: a case report

João Miranda Filho1; Valesca Castro Neri1; Camila Nogueira Bezerra1; Maria Isabel Lynch1,2,3

DOI: 10.17545/eOftalmo/2020.0014

RESUMO

Paralisia do III par craneano é uma entidade complexa e quando presente requer acurácia e conhecimento para conduzir os eventos presentes. O comprometimento isolado dos músculos elevadores do olho é uma apresentação rara e pouco descrita na literatura. Neste relato, descreve-se o caso de uma paciente de 09 anos de idade que comparece ao ambulatório para avaliação de estrabismo. Nega queixas visuais, bem como antecedentes neonatais, traumatismos ou infecções neurológicas. Apresenta ao exame oftalmológico como única alteração a paralisia do músculo reto superior e obliquo inferior do olho direito. O caso relatado aponta a necessidade do conhecimento das diversas associações e apresentações da paralisia do III par, bem como a cautela da indicação cirúrgica em casos assintomáticos e de microtropias.

Palavras-chave: Paralisia; Músculo reto superior; Músculo obliquo inferior.

ABSTRACT

Third cranial nerve palsy is a complex condition that requires careful handling by knowledgeable professionals. Isolated impairment of the ocular elevator muscles is a rare presentation that has been scarcely described in the literature. In this report, we describe the case of a 9-year-old patient who visited an outpatient clinic for strabismus evaluation. She denied visual complaints as well as neonatal antecedents, trauma, or neurological infections. Upon eye examination, the only alteration noted was palsy of the superior rectus and inferior oblique muscles of the right eye. The reported case asserts the need to be aware of the several associated conditions and presentations of third nerve palsy. Besides, it advocates the necessity to be cautious regarding the indications for surgery in asymptomatic cases and microtropia.

Keywords: Palsy; Superior rectus muscle; Inferior oblique muscle.

INTRODUÇÃO

As paralisias envolvendo o III par craniano são quadros complexos tendo em vista a abrangência das alterações motoras envolvidas. Já que esse é responsável pela inervação de quatro músculos extrínsecos de cada olho sendo eles: músculo reto medial (MRM), músculo reto inferior (MRI), músculo reto superior (MRS) e músculo obliquo inferior (MOI) além do esfíncter da pupila, do músculo ciliar e músculo elevador da pálpebra superior. A paralisia total é a mais complicada e de difícil solução devido ao número de fatores intrínsecos, porém não é infrequente, e está bem documentada na literatura. Já as paralisias incompletas, são raras e podem ocorrer atingindo músculos isolados ou assumir combinações variadas. O comprometimento do MOI é extremamente raro e pouco descrito na literatura, na maioria das vezes está presente desde o nascimento. As paralisias podem ainda ser divididas em congênitas e adquiridas. As primeiras, presentes desde o nascimento em pacientes sem patologias perinatais. Já as causas adquiridas possuem uma gama de causas possíveis, desde traumatismos e causas vasculares, a infecções, lesões compressivas, neoplasias e idiopáticas.

 

RELATO DE CASO

M.J.B. menina, 9 anos, compareceu ao SEOPE para consulta por desvio no olho direito (OD), percebido recentemente em consulta com oftalmologista em outro serviço. Genitora refere nunca ter percebido tal desvio e que a menor jamais expôs queixas visuais de qualquer tipo. Nascida a termo, gestação gemelar, sem antecedente pré-natal (PN), parto cesariana sem intercorrências. Nega história de trauma ou comorbidades, assim como uso de qualquer medicação. Nunca fez uso de óculos ou qualquer tratamento ocular prévio. Ao exame clínico: criança ativa e reativa; colaborativa no exame. Ausência de sinais sindrômicos a ectoscopia; desenvolvimento neuropsíquico adequado para a idade. Ao exame oftalmológico: acuidade visual sem correção de 20/20 ambos os olhos (AO); anexos oculares normais, ausência de pseudoptose ou ptose; pupilas isocóricas e fotorreativas em AO; Hirschberg 0º; Cover test; orto/orto’; movimentos oculares: ausência de elevação de OD (Figura 1), diplopia vertical no olhar conjugado para cima; teste de estereopsia (Titmus Teste) de 40s; estrias de Bagolini: fusão; reflexo de Bell ausente OD; Biomicroscopia sem alterações; pressão intraocular 10mmHg em AO. Fundoscopia: nervos ópticos em padrão fisiológico, retina e vasos com aspecto dentro da normalidade. Irmã gêmea sem patologias oculares.

 


Figura 1. Versões.

 

DISCUSSÃO

Defeitos unilaterais dos músculos elevadores dos olhos (MEO) podem ser por falha congênita inervacional, inserção muscular ou defeitos adquiridos1. A presença de paralisia isolada do músculo reto superior ou do músculo obliquo inferior são entidades raras, geralmente de origem congênita, também podem ser encontradas em casos neurológicos – isquêmicos/hemorrágicos – bem como, secundário a traumatismos1,2. É sabido que a associação da paralisia combinada desses dois músculos (MRS e MOI) é uma associação ainda mais rara e na maioria dos casos está presente ao nascimento1,3. Tal paralisia por muitas vezes é negligenciada, porém, quando diagnosticada em sua grande maioria, tem etiologia neural, e em menor escala, defeitos na inserção do músculo, músculos acessórios ou agenesia4,5. Causas isquêmicas, hemorrágicas e tumorais são mais frequentes em pacientes adultos e idosos portadores de comorbidades como diabetes, hipertensão e dislipidemias5-7. Lesões traumáticas são comumente descritas em adultos jovens e mais relacionadas ao MRI comparadas aos outros músculos extrínsecos, dando origem a estrabismos na maioria das vezes devido a lesões penetrantes ou hemorragias musculares4. Causas infecciosas como sífilis e poliomielite foram relatadas numa revisão de casos, porém associados a outros sinais a ectoscopia8. Nos grandes desvios, embora os prismas possam ser usados com maior ou menor eficácia, uma cirurgia pode ter resultados mais eficazes e deve ser considerada individualizadamente1,8. Sintomas nesse tipo de desvio (microtropias) são raros, e podem variar de uma astenopia a uma inclinação de cabeça ou movimentos exóticos dos olhos8. Assim, o conhecimento anatômico dos músculos oculares é pré-requisito para a compreensão fisiopatológica das diversas manifestações da motricidade ocular e acometimentos subjacentes. No caso reportado trata-se de uma alteração provavelmente congênita pelo descrito na literatura e achados do exame, visto ausências história PN, infecciosa, traumática ou sinais neurológicos associados. O tratamento cirúrgico é indicado na maioria dos casos, exceto em casos assintomáticos, como neste relato, no qual optou-se pelo tratamento conservador e seguimento clínico. Assim o reconhecimento dos distúrbios associados é de suma importância para o plano terapêutico, seja ele clinico ou cirúrgico5,8.

 

REFERÊNCIAS

1. Diniz JP, Dias CS. Estrabismo 4. Ed. São Paulo: Santos, 2002 p 325-341.

2. Bal S, Lal V, Khurana D, Prabhakar S. Midbrain infarct presenting as isolated medial rectus palsy. Neurol India. 2009;57(4):499-501.

3. Dias CS, Almeida H. Estrabismo - Conselho Brasileiro de Oftalmologia 1.Ed. São Paulo: Roca, 1993 p 181-205.

4. Lueder GT. Orbital Causes of Incomitant Strabismus. Middle East Afr J Ophthalmol. 2015;22(3):286-91.

5. Qi Y, Yu G, Wu Q, Cao WH, Fan YW. Accessory extraocular muscle a case report and review [Article in Chinese]. Zhonghua Yan Ke Za Zhi. 2011;47(12):1111-6.

6. Kwon J-H, Kwon SU, Ahn H-S, Sung K-B, Kim JS. Isolated superior rectus palsy due to contralateral midbrain infarction. Arch. Neurol. 2003;60(11):1633-5.

7. Al-Sofiani M, Kwen PL. Isolated medial rectus nuclear palsyas a rare presentation of midbrain infarction. Am J Case Rep. 2015 Oct 8;16:715-8.

8. White JW. Paralisys of the superior rectus muscle. Trans Am Ophthalmol Soc. 1933;31:551-84.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 7 de Maio de 2020.
Aceito em: 17 de Junho de 2020.


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