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Casos Clínicos Discutidos

Neurite óptica associada à oftalmoplegia bilateral após infecção viral por dengue: relato de caso

Optic neuritis associated with bilateral ophthalmoplegia following dengue viral infection: a case report

Neuritis óptica asociada a la oftalmoplejía bilateral post infección por virus del dengue: descripción del caso

Bárbara Ribeiro1; Helio de Andrade2; Jivago Queiroz3; João Guilherme Vieira4; Murilo Rodrigues5; Silvia A. Rodrigues6

DOI: 10.17545/eoftalmo/2019.0004

Este artigo pertence à Edição Especial Neurite óptica

RESUMO

Nos últimos anos as complicações oftálmicas advindas da dengue passaram a ser mais estudadas devido ao surto existente em diversas regiões do Brasil. Dentre as manifestações oculares relacionadas a tal doença é relevante destacar a neurite óptica associada à oftalmoplegia por dengue. O objetivo deste estudo foi relatar um caso atípico de neurite óptica pós-viral secundária à dengue em uma mulher de 18 anos com história de síndrome febril aguda característica, apresentando turvação visual, oftalmoplegia, hiperemia e edema do disco óptico 10 dias após o início dos sintomas, evoluindo com bom prognóstico e desaparecimento dos sinais e sintomas após três meses de tratamento. A metodologia englobou a análise do caso e consequente discussão pautada em uma revisão de literatura sobre o tema abordado.

Palavras-chave: Dengue/Complicações; Neurite Óptica/etiologia; Infecções Oculares Virais; Relatos de Casos.

ABSTRACT

Studies on ophthalmic complications due to dengue fever have increased in recent years, following the outbreaks of the disease in various regions of Brazil. Among the ocular manifestations related to the disease, it is important to highlight optic neuritis associated with ophthalmoplegia from dengue infection. The objective of this study was to report an atypical case of post-viral optic neuritis secondary to dengue fever in an 18-year-old woman with a history of characteristic acute febrile syndrome with visual turbidity, ophthalmoplegia, and hyperemia and edema of the optic disc 10 days after the onset of symptoms; the prognosis was good and the signs and symptoms disappeared after 3 months of treatment. The methodology involved analysis of the case and a subsequent discussion based on a literature review on the subject.

Keywords: Dengue/Complications; Optic Neuritis/etiology; Eye Infections, Viral; Case Reports.

RESUMEN

En los últimos años, las complicaciones oftálmicas derivadas del dengue pasaron a ser más estudiadas debido al brote existente en distintas regiones de Brasil. Entre las manifestaciones oculares relacionadas a dicha enfermedad, es relevante destacar la neuritis óptica asociada a la oftalmoplejía por dengue. El objetivo de este estudio fue describir un caso atípico de neuritis óptica post-viral secundaria al dengue en una mujer de 18 años con historia de síndrome febril agudo característico, presentando turbiedad visual, oftalmoplejía, hiperemia y edema del disco óptico 10 días después del inicio de los síntomas, evolucionando con buen pronóstico y con la desaparición de las señales y síntomas después de tres meses de tratamiento. La metodología englobó el análisis del caso y consecuente discusión pautada en una revisión de literatura sobre el tema abordado.

Palabras-clave: Dengue/Complicaciones; Neuritis Óptica/etiología; Infecciones Virales del Ojo; Informes de Casos.

INTRODUÇÃO

A dengue é uma patologia de origem viral que é transmitida pelo Aedes aegypti e Aedes albopictus, com distribuição geográfica em mais de 100 países nos trópicos e subtrópicos. No Brasil as epidemias de dengue são corriqueiras, o que já é tido como um problema de saúde pública, até porque tal infecção gera muitos problemas coadunados a ela e complicações oriundas da doença. Entre as manifestações oculares que podem ocorrer, destaca-se a neurite óptica1,2.

A dengue é a forma mais prevalente de infecção por flavivírus em humanos, o número de casos excede 100 milhões por ano no mundo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) vinte e cinco mil casos fatais são relatados anualmente. A incidência ultrapassa 500.000 casos anuais no Brasil e continua aumentando, apesar dos controles ambientais3,4.

A suspeita diagnóstica da infecção por dengue geralmente é pela anamnese, mas pode ser confirmada com exames laboratoriais dependendo do tempo de apresentação. Testes frequentemente utilizados incluem reação em cadeia da polimerase (PCR) e imunoensaios enzimáticos de imunoglobulina M (IgM) ou imunoglobulina G (IgG)2,5.

Entre oftalmologistas, complicações oculares advindas da dengue estão sendo observada com maior frequência nos últimos tempos. No entanto, apenas alguns relatos de casos isolados foram publicados, e tais casos atribuem complicações oculares à trombocitopenia transitória e à diátese hemorrágica resultante. Mais casos já foram relatados inclusive com manifestação neuro-oftalmológica. O curso das manifestações oculares também não foi bem descrito, já que se faz necessário descrever o caso, espectro de manifestações, prognóstico e tratamento dessas complicações novas e emergentes1,6,7,8.

A oftamoplegia é uma paralisia muscular gerada por afecção neurológica caracterizada pelo enfraquecimento de músculos extraoculares, dificultando os movimentos, podendo gerar a paralisia de tais músculos, manifestando-se através de apresentações atípicas com envolvimento do sistema nervoso, incluindo mieloneuropatias, encefalites, Síndrome de Guillain Barré, paralisias flácidas e neuropatias3,10.

O prognóstico das complicações oftalmológicas relacionadas à dengue é favorável, quase todos os pacientes apresentaram-se assintomáticos ou apresentaram melhora da acuidade visual e resolução completa das afecções oftalmológicas nesses casos. Os acometimentos neurológicos por dengue, embora raros, podem ser decorrentes de envolvimento direto do sistema nervoso central (SNC)1,4,11.

 

DETALHAMENTO DO CASO

AENA, 18 anos, feminino, estudante, solteira, parda, natural e residente em Itapetinga-BA com história de síndrome febril aguda característica de dengue há 10 dias, com turvação visual em ambos os olhos (AO). Exame oftalmológico: (07/04/16) Hirschiberg simétrico, pupilas negras, centradas, reagentes, isocóricas, simétricas, reflexo fotomotor direto e consensual preservados.

AV(s/c): AO: 20/20. BIO: Sem alterações. PIO: 14mmHg AO às 09:00h. FO: meios transparentes, disco óptico com edema e exsudação, vasos tortuosos e dilatados, retina aplicada 360º, mácula com reflexo normal AO, sendo demonstrada na retinografia (Figura 1).

 


Figura 1. Retinografia: vasos com tortuosidade aumentada, veias ingurgitadas e edema de disco óptico em ambos os olhos.

 

A angiofluoresceinografia mostrou vazamento papilar intenso desde as fases iniciais em ambos os olhos (Figura 2).

 


Figura 2. Angiofluoresceinografia: Vazamento papilar intenso desde as fases iniciais em ambos os olhos.

 

Os exames laboratoriais positivaram somente Dengue IgG. Na RNM das órbitas observou-se alargamento da bainha que recobre o nervo óptico, associado ao achatamento da porção posterior da esclera.

Após tratamento com metilprednisolona intravenosa 250mg de 6/6h por 3 dias, seguida por prednisona oral 1mg/kg/dia durante 15 dias com desmame de 10mg a cada 5 dias, apresentou melhora bilateral da oftalmoplegia e turvação visual. O edema de disco óptico melhorou gradativamente, voltando ao normal após 3 meses do início do quadro clínico (Figura 3).

 


Figura 3. Após 3 meses do início do quadro clínico: exame dentro dos padrões de normalidade em ambos os olhos.

 

DISCUSSÃO

A infecção por dengue é um problema de saúde pública global com o aumento da prevalência a cada ano. A manifestação oftalmológica relacionada à dengue varia de dor retro-ocular e hemorragias subconjuntivais à neuropatia óptica, sendo a manifestação neuro-oftalmológica muito incomum2.

Desde o início do novo milênio, tem havido um número crescente de relatos descrevendo uma miríade de sinais e sintomas oculares associados à dengue6. O mecanismo fisiopatológico preciso das complicações oftalmológicas da dengue não é bem compreendido, no entanto, muitos estudos aludiram à possibilidade de um processo imunomediado como um mecanismo provável8. Neste caso analisado as manifestações oculares foram detectadas através da avaliação clínica e testes diagnósticos.

Nota-se que o principal sintoma foi síndrome febril característica da dengue associada à turvação visual em ambos os olhos. Nos exames laboratoriais, Dengue IgG foi positivo. Este fato pode ser explicado devido a que a paciente realizou o exame tardiamente (dez dias após o quadro inicial). Sabe-se que o exame de sangue para IgG identifica muitas vezes uma infecção passada4.

O diagnóstico da dengue foi baseado em uma combinação de achados clínicos correlacionados com resultados positivos da sorologia da dengue, PCR, ou ambos. Nota-se que pacientes com < 5 dias de sintomas de dengue com PCR positivo, mas achados sorológicos negativos de IgG são considerados como tendo dengue primária. Alternativamente, pacientes com sintomas de dengue de > 5 dias de duração que tiveram um achado sorológico de IgG positivo foram classificados como tendo infecção secundária por dengue7.

O processo patológico das complicações oftalmológicas da dengue é complexo e as manifestações clínicas são variadas. Complicações oftalmológicas são geralmente observadas em adultos jovens. Apesar da boa recuperação da visão e da resolução dos sinais clínicos na maioria dos pacientes, clínicos gerais ou médicos generalistas devem estar atentos, pois há relatos isolados de casos de complicações oftalmológicas da dengue com baixa acuidade visual refratária ao tratamento2,3,6.

Por não serem um sintoma típico da dengue, as manifestações neuro-oftalmológicas muitas vezes não são relacionadas à doença, mas estudos demonstram que a neurite óptica pode advir dessa manifestação, uma vez que muitos pacientes apresentam sorologia positiva para dengue sem outro sintoma qualquer que possa indicar neurite ou por outro motivo. No caso relatado observou-se que a neurite óptica resultou da infecção pelo vírus da dengue12.

O edema de disco óptico melhorou gradativamente, voltando ao normal após três meses do início do quadro clínico. Ressalta-se que o prognóstico geralmente é bom com resolução espontânea. O uso de esteroides para tratar as alterações visuais é controverso e não existe tratamento específico para a dengue. Habitualmente somente são prescritos analgésicos não esteroides e antitérmicos6,9,10.

No presente caso, optou-se por prescrever metilprednisolona intravenosa e prednisona oral em desmame, que gerou a melhora bilateral do edema de disco óptico, oftalmoplegia e turvação visual. Para alguns autores não há evidencia da eficácia in vivo em apoio ao uso de agentes antivirais, medicamentos redutores da permeabilidade vascular e nem de corticosteroides para o tratamento da dengue. Malta et al.10, indicam em seu estudo que o uso de 1g de metilprednisolona intravenosa durante 20 minutos (dose única) reduz a mortalidade para casos de dengue7,10.

Não é possível aferir que esteroides administrados à paciente tiveram influência na conclusão do tratamento, vez que não existem estudos clínicos tratando especificamente dessa situação7.

Relatos de caso demonstraram pacientes com perda visual grave ou envolvimento bilateral e foram tratados com esteroides sistêmicos e ocasionalmente imunoglobulinas. O prognóstico das complicações oftalmológicas relacionadas à dengue é favorável; quase todos os pacientes apresentaram-se assintomáticos ou apresentaram melhora da acuidade visual e a resolução completa das complicações oftalmológicas da dengue3,5,7.

A dengue é geralmente uma infecção autolimitada. A recuperação da infecção com um sorotipo fornece imunidade vitalícia contra esse sorotipo, mas confere apenas imunidade transitória e parcial contra infecção subsequente por outros sorotipos. Infecções sequenciais com outros sorotipos podem aumentar o risco de doenças sistêmicas mais graves, como a febre hemorrágica da dengue ou a síndrome do choque da dengue, que podem ser fatais, por isso tais cuidados são indispensáveis frente aos riscos oriundos dessa patologia4,10.

A epidemia de dengue no Brasil e tal relato de caso clínico quando avaliados em conjunto aduzem à urgência e necessidade de que seja esclarecido que pacientes que apresentarem alterações oftalmológicas sejam avaliados por oftalmologistas9.

No caso analisado foi observado sintoma de turvação visual bilateral associado à oftalmoplegia e sinais de neurite óptica que se manifestou dez dias após a infecção. A recuperação espontânea da visão poderia ocorrer, porém em casos refratários o uso de corticosteroides torna-se uma opção de tratamento1,6,8.

Vale salientar que estudos no Brasil não citam a oftalmoplegia bilateral pós-infecção viral por dengue, e no exterior há trabalhos que associam a oftalmoplegia bilateral pós-infecção viral por Chikungunya que também denota manifestações oculares. A oftalmoplegia internuclear é um achado raro e notável e tem sido relatado de forma escassa que ocorre isoladamente, sem outros sinais de nervos cranianos ou longos tratos, devido à posição única do fascículo longitudinal medial dentro do tronco encefálico3,9,10.

Devido ao aumento da incidência dessa patologia no Brasil, esse caso mostra a importância da realização do exame oftalmológico para investigação, e salienta-se para inserção de protocolo, no qual poderá detectar alterações oftalmológicas e do SNC, que se tratado em tempo pode ter sucesso no prognóstico1,6.

É importante que nos países onde a dengue é uma doença comum, os clínicos pesquisem associações das afecções do vírus da dengue com as afecções oftalmológicas. Embora o prognóstico seja bom há relatos de pacientes que apresentaram escotoma central relativo persistindo por meses6,12.

 

REFERÊNCIAS

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10. Malta JM, Vargas A, Leite PL, Percio J, Coelho G, Ferraro A, Cordeiro T, Dias J, Saad E. Síndrome de Guillain-Barré e outras manifestações neurológicas possivelmente relacionadas à infecção pelo vírus Zika em municípios da Bahia – 2015. Epidemiol Serv Saude. 2017; 26(1):9-18.

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Silvia Andrade Carvalho Rodrigues
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4386575073138004
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0233-4130

João Guilherme Vieira Pereira Rego
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1685148221553942
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6938-1356

Financiamento: Declaram não haver

Conflitos de interesse: Declaram não haver

Recebido em: 6 de Outubro de 2018.
Aceito em: 11 de Dezembro de 2018.


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