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Capsulotomia YAG laser: indicações, riscos e cuidados

YAG Laser Capsulotomy: Indications, Risk, and Care

Roberto Pinto Coelho1; Anna Flora Teixeira Soto Pelinson2; Luísa Tognetto de Souza Campos3

DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2017.88

RESUMO

A opacificação da cápsula posterior do cristalino (OCP) é a complicação mais comum após a cirurgia de catarata. O tratamento é realizado por meio da capsulotomia com Nd: YAGlaser, que também é indicado na Síndrome da contração capsular, na Síndrome da distensão do saco capsular e na disfotopsia negativa. Apesar de ser um procedimento seguro, várias complicações são relatadas quando aplicado na OCP, que incluem: marcas ou fissuras na LIO, aumento da pressão intraocular (PIO), deslocamento da LIO, uveíte, edema macular cistoide, descolamento de retina, buraco macular, hemorragia retiniana e endoftalmite. Limpeza cortical meticulosa, LIO dentro do saco capsular, capsulorhexiscurvilínea contínua, que se sobrepõe à borda óptica da LIO 360 graus, modificações nodesenho das LIOs e do material levam à diminuição da taxa de complicações na OCP. Colírios antiglaucomatosos e corticosteroides tópicos também são usados para prevenir e tratar complicações relacionadas ao uso do Nd: YAGlaser.

Palavras-chave: Capsulotomia posterior; Lasers; Catarata;

ABSTRACT

Posterior lens capsule opacification (PCO) is the most common complication after cataract surgery. Its treatment comprises Nd:YAG laser capsulotomy, which is also indicated in cases of capsular contraction syndrome, capsular bag distension syndrome, and negative dysphotopsia. Although it is a safe procedure, many complications occur when it is applied to patients with PCO. These complications include marks or fissures on the intraocular lens (IOL), increased intraocular pressure, displacement of the IOL, uveitis, cystoid macular edema, retinal detachment, macular hole, retinal hemorrhage, and endophthalmitis. Meticulous cortical cleaning, the IOL inside the capsular bag, continuous curvilinear capsulorhexis (which overlaps the optical edge of the 360° IOL), and changes in IOL designs and materials have all helped to decrease the rate of complications associated with PCO treatment. Antiglaucomatous eye drops and topical corticosteroids have also been used to prevent and treat complications associated with the use of Nd:YAG laser.

Keywords: Posterior capsulotomy; Lasers; Cataract;

INTRODUÇÃO

A opacificação da cápsula posterior do cristalino (OCP) após cirurgia de catarata já foi descrita há muitos anos e continua sendo a complicação mais comum dessa cirurgia.1 As células epiteliais restantes no saco capsular do cristalino proliferam e migram para oeixo visual levando à opacificação e enrugamento da cápsula posterior, resultando em diminuição da acuidade visual.1 O momento do surgimento da OCP pode variar de meses a anos em adultos, sendo mais comum em pacientes jovens, e diminuindo com o avançar da idade. Apresenta incidência que varia de 3% a 50% nos cinco anos após a cirurgia.1 Essa incidência tem diminuído com o desenvolvimento de novas técnicas de facoemulsificação, cirurgia compequena incisão, uso de lentes intraoculares (LIO) dobráveis com borda quadrada e com a melhoria dos materiais das LIOs.2,3 A OCP pode reduzir a acuidade visual, a sensibilidade ao contraste e a visão estereoscópica, causar dificuldades com brilho ou visão de cores e diplopia monocular. Nesses casos, está indicado o uso do Nd: YAG laser.4

Antes da introdução do laser, a única opção para remoção da OCP era a cirurgia com o polimento ou retirada da cápsula posterior do eixo visual. Com a técnica do Nd: YAG laser, o procedimento tornou-se mais eficaz e seguro. O Nd: YAG laseré um laser de estado sólido, com um comprimento de onda de 1064 nm que provoca a disruptura dos tecidos oculares por meio da realização de um pulso curto, de alta potência, que resulta em ionização, ou formação de plasma do tecido ocular.

 

INDICAÇÕES

A indicação mais comum de Nd: YAG laseré na OCP, porém é necessária uma avaliação da incapacidade funcional visual, que pode ser realizada utilizando-se  vários métodos, incluindo testes de acuidade visual, sensibilidade ao contraste, teste de Glaree análise de vídeo de captura de imagem.5,6,7

Na prática, a decisão sobre a aplicação do laser geralmente se baseia na avaliação da acuidade visual e da aparência da cápsula posterior e visibilidadedo fundo do olho. Achados de OCP do tipo pérola apresentam piora na acuidade visual e sensibilidade ao contraste.8

As fibroses causadas pela OCP são subjetivas e muitas vezes enganosas. Dessa maneira, fazer qualquer avaliação precisa do resultado visual é potencialmente difícil. Os dois métodos principais propostos para resolver este problema são medir o potencial da acuidade visual ou usar o interferômetro a laser, sendo que ambos projetam uma imagem sobre a retina, na tentativa de contornar a OCP.9

Outra indicação da capsulotomia com Nd: YAG laseré na Síndrome da contração capsular. É sabido que depois de uma capsulorhexiscurvilínea contínua criada na cirurgia de catarata, a cápsula anterior sofre ligeira contração em olhos sem patologias.10 No entanto, estudos também mostram que essa contração ocorre mais intensamente na presença de patologias oculares, tais como pseudoesfoliação, retinose pigmentar e retinopatia diabética. Em olhos com essas afecções, a abertura da cápsula anterior comumente contrai a um tamanho menor do que a pupila.11 Nesses pacientes, são realizadas incisões relaxantes da cápsula anterior com Nd: YAG laser.12

O Nd: YAG laser também está indicado na Síndrome da distensão do saco capsular, caracterizada pela adesão da capsulorhexis à superfície anterior da LIO e ao acúmulo de um fluído transparente ou branco leitoso entre a cápsula posterior e a superfície posterior da LIO. Essa síndrome está associada com o aumento do espaço entre a LIO e a cápsula posterior, podendo levar à anteriorização da LIO, arqueamento anterior da íris, câmara anterior rasa e presença de fluido atrás da LIO.13 O líquido dentro do espaço capsular pode ficar turvo, resultando em diminuição da visão.14

A disfotopsia negativa, descrita pela primeira vez há mais de uma década por Davison et al.,15 também pode ser beneficiada com o uso do Nd: YAG laser. Esta se manifesta como uma sombra escura no campo visual temporal, percebida pelo paciente de forma semelhante ao descolamento da retina ou oclusão vascular. Uma vez que uma das etiologias propostas para disfotopsia negativa envolve a borda da capsulotomia anterior, causando reflexão sobre a retina nasal, pode-se remover a parte nasal da cápsula anterior com uma aplicação de Yag laser. Essa abordagem pode resultar em completa resolução ou melhora significativa na maior parte do pacientes com essa queixa.16,17

 

RISCOS

Várias complicações são relatadas com o uso do Nd: YAG laser na OCP, que incluem: marcas ou fissuras na LIO, aumento da PIO, deslocamento da LIO, uveíte, edema macular cistoide (ECM), descolamento de retina, buraco macular, hemorragia retiniana e endoftalmite.18

Muitos estudos sobre a incidência de descolamento de retina após Nd: YAG laser mostram aumento dessa incidência de 0,5% para 3,6% em comparação com pacientes que não receberam o tratamento a laser.19 O mecanismo exato para a patogênese permanece obscuro. A maioria dos autores acredita que a perda da cápsula posterior intacta inicia mudanças vítreas, tais como liquefação, que levariam à diminuição na viscosidade e despolimerização do vítreo, além de ondas de choque que também poderiam induzir a alterações diretamente no vítreo posterior.20

O aumento da PIO após Nd: YAG laser tem sido bem documentado, e existem vários mecanismos postulados. A obstruçãoda malha trabecular por células inflamatórias e detritos seria o responsável em causar redução na capacidade de drenagem. Lynch et al.21 encontraram redução quantificável da drenagem em olhos de macacos após Nd: YAG lasere, estudos histopatológicos, após o sacrifício dos macacos, mostraram que a malha trabecular continha fibrina, material da lente, células inflamatórias, pigmentos e eritrócitos. Schubert et al.22 acreditam que a perda de proteína a partir do vítreo dialisável é responsável pelo aumento da PIO.

O ECM é uma complicação pouco comum após Nd: YAG laser. Mesmo que o "padrão ouro" para o diagnóstico dessa afecção seja a angiofluoresceinografia, vários estudos demonstraram boa correlação com a tomografia de coerência óptica (OCT), em particular os sistemas de domínio espectral de nova geração.23 O risco de ECM pode ser reduzido aumentando-se o intervalo entre a extração da catarata e a capsulotomia a laser.24

O YAG laser pode ainda causar danos na LIO, que inclui corrosões, buracos, rachaduras e deslocamentos. Fatores que contribuempara essas complicações incluem alta energia do laser, precisão do laser como foco,a distância entre a LIO e a cápsula posterior, o material da LIO e seu design. Lee et al.25 descreveram opacidades, buracos e fraturas em uma LIO de PMMA (polymethylmeth-acrylate) de 2,0 dioptrias após capsulotomia e Hsieh et al.26 relataram um caso em que uma LIO com parte óptica de vidro e alças de poliamida foi fraturada depois de uma capsulotomia com laser.

 

CUIDADOS

Vários cuidados durante o procedimento cirúrgico levam à redução nas taxas de OCP, tais como limpeza cortical meticulosa, LIO dentro do saco capsular, capsulorhexis curvilínea contínua, que se sobrepõe à borda óptica da LIO 360 graus, modificações no desenho das LIOs e do material, como uma parte óptica de borda quadrada e truncada. No entanto, nenhuma dessas medidas erradica por total a OCP, especialmente nos olhos de pacientes pediátricos, com uveíte, e diabéticos.18

Nos últimos 10 a 15 anos, tornou-se claro que o desenho da LIO desempenha papel importante na prevenção de OCP. A implantação de lentes de borda quadrada, introduzidas no início de 1990, foi associada com menor opacidade em relação a outras LIOs.27 Como resultado dessas descobertas, novas LIOs com a borda óptica quadrada foram introduzidas posteriormente. Recentes estudos mostraram que lentes de silicone com borda quadrada têm taxa de opacificação semelhante à das lentes de acrílico hidrofóbico.28,29,30

Fallor eHoft31 compararam danos do Nd: YAG laser em quatro tipos de LIOs em um estudo experimental, e observaram que LIOs com separação estreita entre a lente e a cápsula posterior podem experimentar mais danos com o uso de laser.

Ao compararem os padrões de aplicação do laser mais frequentes, Ruiz-Casas et al.32 descobriram que menos energia é utilizada quando este é aplicado no formato cruz do que no padrão circular, porém a técnica em forma de cruz envolve maior risco de danos no centro da lente do que no padrão circular. No entanto, para cirurgiões experientes esse risco é baixo, o que não justifica a aplicação do padrão circular.

Relatos na literatura sobre o impacto do polimento da cápsula anterior do cristalino na formação de OCP são contraditórios. Em relação à remoção completa do material cortical e polimento da cápsula anterior, a técnica de irrigação/aspiração (I-A) bimanual mostrou-se superior à técnica de (I-A) coaxial, devido à melhor acessibilidade a todas as áreas do saco capsular, permitindo melhor limpeza cortical.33,34

As lentes de contato para Yag laser ou lentes de Abraham podem ser utilizadas para estabilizar o olho, melhorar o feixe de laser, facilitar a focagem precisa e diminuir a área de laser na cápsula posterior. É desejada uma quantidade mínima de energia necessária para se obter a desagregação e ruptura da cápsula. Na maioria dos lasers, uma cápsula típica pode ser aberta usando 1-2 mJ/pulso. Para se evitarem marcas na LIO, o laser pode ser focado intencionalmente posterior à cápsula. A onda de choque se irradia para frente e rompe a cápsula. A capsulotomia deve ser tão grande quanto a pupila em condições isotópicas, como dirigir à noite, quando obrilho da borda capsular exposta é mais provável. Para um paciente com alto risco de descolamento da retina pode-se optar por uma pequena abertura.

A capsulotomia com Yag laser pode resultar em complicações pós-operatórias significativas relacionadas à pressão ocular de morbidade. Essas incluem: elevação transitória e imediata da PIO pós-operatória, início de glaucoma ou agravamento do glaucoma preexistente. Destaca-se pela maior frequência, o aumento da PIO com pico nas primeiras duas horas, sendo geralmente transitório. Esse aumento é comumente na ordem de 5 a 10 mmHg e pode dar origem a danos visuais, principalmente em portadores de glaucoma avançado, que apresentam essa complicação com maior frequência.35

Muitos medicamentos são utilizados para a profilaxia de picos de PIO após Nd: YAG laser. O cloridrato de apraclonidina a 0,5%e o tartarato de brimonidina a 0,2% ou a 0,15% (agonistas alfa-adrenérgicos) são usados como profilaxia padrão para esses eventos.36,37 Os inibidores da anidrase carbônica também são eficazes e seguros para a prevenção dos picos de PIO. A dorzolamida tópica e acetazolamida oral, ministradas profilaticamente como administração única antes do Nd: YAG laser, também mostraram boa eficácia e segurança na prevenção da elevação da PIO.38 Outro estudo comparando a eficácia da dorzolamida tópica com a apraclonidina encontrou resultados semelhantes com ambas as drogas.38 O levobunolol e o timolol (antagonistas beta-adrenérgicos) demonstraram ser eficazes para a redução em longo prazo da PIO em pacientes com glaucoma ou hipertensão ocular.39,40

O mais prudente é tratar com medicação profilática os pacientes que apresentam fatores de risco para o aumento considerável da PIO. Esses fatores de risco incluem: afacia, glaucoma, PIO pré-existente superior a 20 mm Hg, alta miopia e doenças vitreorretinianas. Em pacientes de alto risco, a PIO pode ser medida novamente 1 hora após otratamento com laser, e se estiver aumentada 5 mmHg ou mais, nova medida deverá ser obtida em 4 horas para pacientes com danos glaucomatoso pré-existentes. Se o aumento da PIO persistir, deve-se continuar com terapia antiglaucomatosa durante pelo menos uma semana.

O tratamento após laser com esteroides tópicos e agentes cicloplégicos varia de acordo com a experiência individual do cirurgião. O uso de esteroides tópicos quatro vezes por dia, durante uma semana no pós-operatório é, muitas vezes, útil para aliviar possíveis desconfortos e inflamações.

 

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Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 19 de Fevereiro de 2017.
Aceito em: 25 de Fevereiro de 2017.


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