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Editorial

Sobre a necessidade de se construir uma política nacional de saúde ocular para retardar o início e a progressão da miopia em escolares do ensino fundamental

Need to establish a national eye health policy for delaying the onset and progression of myopia in elementary school students

Milton Ruiz Alves

DOI: 10.17545/eoftalmo/2018.0016

O aumento global da prevalência estimada de miopia e de alta miopia entre os anos 2000 e 2050 exige a adoção imediata de políticas nacionais de saúde ocular que incluam a gestão e a prevenção de complicações oculares que poderão levar à perda visual irreversível cerca de 1 bilhão de pessoas com alta miopia até 20501. A alta miopia aumenta o risco de catarata, glaucoma, descolamento de retina e degeneração macular miópica2. Atualmente, em algumas comunidades com alta prevalência de miopia, a degeneração macular miópica já é a causa principal de cegueira irreversível3. A adoção imediata de políticas nacionais de saúde ocular que reduzam substancialmente o início e a progressão da miopia têm o potencial de diminuir significativamente o número de pessoas míopes e com alta miopia1.

A alta miopia no adulto está relacionada à miopia manifestada no início dos anos escolares, portanto, políticas de saúde ocular que contribuam para reduzir fatores de risco relacionados com o surgimento e progressão da miopia infantil, certamente, contribuirão para reduzir o desenvolvimento da alta miopia4.

O aumento global da prevalência de miopia não consegue ser explicado somente por fatores genéticos. A contribuição de fatores bioambientais pode ser maior do que a da genética neste recente incremento de miopia. Muitas linhas de evidência sugerem que o aumento da atividade visual de perto, incremento da pressão educacional, diminuição de exposição à luz solar, alterações nutricionais (incluindo ingestão de carboidratos) e baixos níveis de iluminação nos ambientes internos estão associados com o aumento de prevalência de miopia nos escolares5.

Morgan e Rose6 mostraram que existe correlação direta entre fatores bioambientais (incluindo educação intensiva e diminuição do tempo dispendido em atividades externas com exposição à luz solar) e a alta prevalência de miopia em todos os grupos étnicos em Singapura, reforçando que a influência dos fatores genéticos pode não ser tão importante para o recrudescimento atual da miopia.

Os “altos níveis de educação” influenciam a prevalência da miopia, contudo, o efeito cohort observado em vários estudos parece ser multifatorial e “ganhos educacionais” podem ser apenas um dos muitos fatores miopia-relacionados6. O “viver em área urbana” é outro fator envolvido na prevalência da miopia, mas não é fácil estabelecer correlação direta entre o ambiente urbano e a presença de miopia, uma vez que o “viver em ambiente urbano” correlaciona-se com alto nível educacional, maior tempo de atividades em ambientes internos, menor tempo de atividades externas com exposição à luz solar e com maior pressão educacional5. No entanto, é possível afirmar que o aumento do tempo de exposição dos escolares às atividades de recreação externa com exposição à luz natural do sol apresenta associação com menor prevalência de casos novos de miopia e agrega evidência de que exerce também efeito protetor retardando a progressão de miopia já instalada5. Rose et al.7 foram os primeiros a propor que a liberação de dopamina pela retina estimulada pela luz solar inibe o alongamento do bulbo ocular. Investigações recentes têm revisado a questão sobre se a quantidade de luz disponibilizada nas salas de aulas das escolas poderia influenciar no aparecimento de miopia nos estudantes5. Recentemente, um grupo de pesquisadores desenharam e construíram na China salas de aula capazes de proporcionar exposição dos alunos à luz solar natural com 80% da intensidade obtida em atividades externas8. Os escores de conforto nestas salas de aulas referidos pelos estudantes e professores foram significativamente mais altos que os obtidos em salas de aulas convencionais. Ainda está sendo planejado um estudo intervencional5. Ressaltamos que este campo de pesquisa é muito importante porque dependendo dos resultados este modelo poderá ser globalmente replicado.

Hsu et al.4 seguiram uma coorte composta por 11.590 estudantes do segundo ano do ensino fundamental metropolitano em Taipei (Taiwan) e pais de 16.486 escolares, por 3 anos (2013-2016). O estudo mostrou uma alta prevalência de miopia entre os alunos (36,4%). Os escolares reunidos nesta coorte com pais míopes e com mais tempo gasto em atividades visuais de perto, realizadas em distâncias mais curtas e de forma contínua por mais de 30 minutos, apresentaram aumento significativo da miopia. A coorte mostrou, também, que 6,2% dos escolares que gastaram mais de 2 horas diárias com smartphones, tablets e computadores apresentaram risco 41% maior de miopia do que os colegas que gastaram menos de 2 horas diárias com estes equipamentos. Em Taipei (Taiwan) os escolares após dois períodos na escola frequentam ainda programas tutoriais de tal forma que apenas 15,8% dos envolvidos no estudo dispunham de mais de 1 hora de atividades externas após a escola4. Alguns estudos assinalam que o adequado seria dispender cerca de 10-14 horas em atividades externas semanais com exposição à luz solar paras se obter o efeito protetor contra a miopia8. É muito importante prevenir o aparecimento precoce de miopia no escolar porque a taxa de progressão da miopia é mais alta na criança mais jovem9.

Não há dúvidas de que é necessário o mais rápido possível construir uma política nacional de saúde ocular voltada para retardar o início e a progressão da miopia nos escolares do ensino fundamental brasileiro. Estes programas deverão prever que os alunos gastem de 10 a 14 horas semanais em atividades externas com exposição à luz solar. Deverão, também, restringir tarefas visuais de perto, em distâncias muito curtas e com mais de 2h de duração diárias, especialmente com o uso de smartphone, tablet ou computador. Necessitarão levar em conta que a miopia e a alta miopia estão aumentando em todo o mundo e, também, entre nós, e que são os fatores bioambientais que estão exercendo o papel mais importante neste incremento. Portanto, as campanhas de educação em saúde ocular deverão focar primordialmente em mudanças ambientais e comportamentais de nossos escolares. Deverão considerar que mesmo a obtenção de resultados parciais na prevenção da miopia representará no futuro uma redução significativa no número de pessoas com alta miopia e com perda irreversível da visão. Por isso, é importante a identificação de fatores bioambientais que influenciam o início e a progressão da miopia e a divulgação de medidas úteis que possam ter efeitos positivos no controle da miopia, com poucos efeitos colaterais.

 

REFERENCES

1. Holden BA, Frickle TR, Wilson DA, Jong M, et al. Global Prevalence of Myopia and High Myopia and Temporal Trends from 2000 through 2050. Ophthalmology 2016;123(5):1036-1042.

2. Wong TY, Ferreira A. Hughes R, et al. Epidemiology and disease burden of pathologic myopia and myopic choroidal neovascularization: an evidence-based systematic review. Am J Ophthalmol 2014;157(1):9-25.

3. Yamada M, Hiratsuka Y, Roberts CB, et al. Prevalence of visual impairment in the adult Japanese population by cause and severity and future projections. Ophthalmol Epidemiol 2010; 17(1):50-57.

4. Hsu C-C, Huang N, Lin P-Y, et al. Prevalence and risk factors for myopia in second-grade primary school children in Tapei: A population-based study. J Chin Mes Assoc 2016;79(11):525-632.

5. Galvis V, Tello A, Camacho PA, Parra MM, Merayo-Lloves J. Bio-environmental factors associated with myopia: An updated review. Arch Soc Esp Oftalmol 2017;92(7):307-325.

6. Morgan IG, Rose K. Yunnan minority eye study suggests that ethnic differences in myopia are due to different environmental exposures. IOVS 2015;56(8):4430

7. Rose KA, Morgan IG, Ip J, et al. Outdoor activity reduces the prevalence of myopia in children. Ophthalmology 2008;115(8):1279-1285.

8. Zhou Z, Chen T, Wang M et al. Pilot study of a novel classroom designed to prevent myopia by increasing children’s exposure to outdoor light. PLoS ONE 2017;12(7), [e018177]. DOI: 10.1371.

9. Donovan L, Sankaridrurg P, Ho A, et al. Myopia progression rates in urban children wearing single-vision spectacles. Optom Vis Sci 2012;89(1):27-32.

 

Fonte de financiamento: declara não haver

Parecer CEP: não aplicável

Conflito de interesses: declara não haver

Recebido em: 22 de Setembro de 2018.
Aceito em: 26 de Setembro de 2018.


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